Em “Os nomes da independência”, Rodrigo Trespach relata como o movimento que transformou o Brasil em um país independente foi construído a muitas mãos
Dom Pedro I foi consagrado ao longo das décadas como o principal nome por trás do processo de independência do Brasil.
O país se separou politicamente de Portugal, mas d. Pedro manteve envolvimento com as questões de sucessão ao trono lusitano por muito tempo.
"Em algumas regiões do Brasil, um governo central no Rio e forma de governo adotada foi muito contestada. Muitas províncias tinham um ideal republicano. A consolidação do Brasil independente e a unidade como conhecemos hoje só vai ocorrer no Segundo Reinado, depois de um período conturbado de revoltas e movimentos separatistas em várias partes do país”, explica o historiador Rodrigo Trespach em entrevista à Aventuras na História.
Além disso, "embora a Constituição de 1824 fosse liberal em muitos aspectos, não resolveu os muitos problemas enfrentados". O historiador cita o caso da abolição da escravidão, que "se manteve insolúvel por quase todo o século 19”.
Após o 7 de setembro, o Brasil viveu a Guerra de Independência. Porém, muitos brasileiros têm a visão de que todo o processo foi pacífico. Segundo Trespach, isso é fruto de uma “simplificação” que ocorre ao estudar processos históricos, influenciado por “posições anacrônicas e ideológicas”.
“Infelizmente, a história do país é muito mal trabalhada em sala de aula. De modo geral, não há estímulo à leitura. O resultado é que o brasileiro pouco sabe sobre a própria história. E o pouco que sabe vem, na maioria das vezes, da televisão. Em se tratando da geração mais recente, recebe informações por meio de influenciadores. Estes nem sempre com formação na área ou com o conhecimento e os critérios devidos. O que se vê é um conhecimento superficial e muitas vezes distorcidos”, afirma.
A própria noção de como se deu a independência é, por vezes, pitoresca. O fato de D. Pedro I ter contado com "uma mula e não um cavalo ao proclamar a independência, sempre foi usada de forma caricata”.
No entanto, para o historiador, isto é “mais uma demonstração de falta de conhecimento”, uma vez que “a mula era o animal mais propício à subida e descida da serra e foi por isso que ele estava montando uma”.
Para o historiador, grande parte da narrativa girava em torno do imperador, pois, “no passado, a história era concentrada apenas nos grandes nomes, os mais importantes ou de grande relevo”.
Foi só nos últimos anos, "principalmente após a década de 1980", que a historiografia passou a "dar atenção a um conjunto maior de atores", segundo o estudioso.
Eventos importantes, como a Independência, passaram a ser estudados por diversos historiadores e analisados por diferentes escolas, sob os mais variados aspectos, fazendo surgir nomes que hoje são completamente desconhecidos do grande público”, conta à Aventuras na História.
Em seu novo livro “Os nomes da independência”, Trespach reúne 50 biografias que atuaram neste processo e mais de 100 nomes menores listados em verbete. A biografia de cinco das 40 testemunhas do 'Grito do Ipiranga', por exemplo, são reveladas pelo autor.
“Há muitos nomes, da época e de um período posterior, que ajudaram na construção da imagem que temos da independência. Por isso, o livro é importante. Foi escrito pensando em contemplar todo o contexto histórico, com os mais variados personagens”, relata.
Um dos nomes destacados pelo autor é o da imperatriz Leopoldina, descrita na obra como uma das articuladoras da independência.
"Leopoldina foi uma grande mulher, de importância fundamental para a independência, mas morreu muito cedo, apenas 4 anos após o Sete de Setembro. E viveu numa sociedade em que a condição de mulher e esposa era inferior ao do homem e esposo”, afirma.
Segundo o historiador, apesar de ter sido “infeliz” durante o casamento com D. Pedro I, as “humilhações sofridas só reforçam o quanto ela era melhor preparada do que o marido, bem vista e amada pelos brasileiros”.
No entanto, apesar de sua importância na história do Brasil, o historiador esclarece um mito: a imperatriz não "fez a independência".
“Há uma tentativa de elevá-la a um grau que ela não tinha na época. Não existe, como se tem divulgado, documento algum com assinatura dela proclamando a separação. O que temos é uma carta de recomendação a d. Pedro, que era quem de fato detinha o poder.
Além disso, Trespach ressalta que José Bonifácio é um nome que, “embora seja lembrado, pouco é trabalhado sobre sua vida e obra”.
“Ele era um cientista renomado internacionalmente. Conhecia várias línguas e deixou pesquisas e escritos políticos importantes. Era um intelectual num país de analfabetos. Defendia, por exemplo, a abolição da escravatura. Tinha preocupações ecológicas e com as populações indígenas, algo praticamente inexistente dois séculos atrás”, avalia.
Outro nome abordado no livro é Pedro Américo, que entrou para os livros de História com o quadro "Independência ou Morte", que retrata o ‘Grito do Ipiranga’. Entretanto, enfrentou críticas pelo trabalho.
Afinal, como aponta Trespach, o que Américo fez foi uma “pintura romantizada, retirando da tela aquilo que era considerado inapropriado para época e criando uma imagem idealizada”.
A atitude do pintor, porém, tinha um motivo: “No Brasil ou na Europa, uma pintura carregava simbologias que transmitiam ideais. E não há nada de errado nisso. Era comum na época e é até hoje".
"As fotografias dos presidentes da república nas repartições públicas também passam por retoques e melhorias. As fotos oficiais de eventos públicos também escondem muitas coisas. Precisamos ver Pedro Américo com os olhos do século 19, não do 21”, acrescenta.