No dia 7 de abril de 1831, o imperador abdicou e pegou um navio para Lisboa. Foi a senha para a imediata reorganização da maçonaria brasileira
A maçonaria proporcionou o palco e mobilizou os atores mais importantes para a Independência do Brasil. Sessenta e sete anos depois, lá estaria ela, de novo, dando um belo impulso para o fim do Império e o começo da República — regime sob o qual o Brasil vive até hoje.
No meio do caminho, os maçons ainda arranjariam tempo para se envolver no processo que culminou com o fim da escravidão no país. Quando chegou ao fim 1822, a ano da independência, nada indicava que o futuro da ordem seria esse. Afinal, a maçonaria tinha sido proibida por determinação de seu próprio líder — ninguém menos que dom Pedro I, imperador do Brasil.
Mesmo nos momentos de maior mobilização, os maçons não agiram todos do mesmo lado; o processo que levou da declaração de independência à Proclamação da República foi tão turbulento para os maçons quanto para a vida política do país.
Em 1822, depois de romper com os homens que o ajudaram a chegar ao poder, o grão-mestre do Grande Oriente do Brasil, dom Pedro I, proibiu a existência não só da federação maçônica como de todas as lojas.
Algumas fecharam as portas da frente, mas continuaram a se encontrar em segredo. A mais famosa entre essas foi a 6 de Março de 1817, em Recife (PE), que concentrou os líderes da Confederação do Equador — uma das muitas tentativas de romper com o governo localizado no Rio de Janeiro e fundar um novo país.
“O movimento irrompeu em Pernambuco, que solicitou adesão das províncias vizinhas por meio da mensagem de 2 de julho assinada por [Manuel de Carvalho] Paes de Andrade, maçom e presidente da junta de governo”, escrevem José Castellani e William Almeida de Carvalho no livro 'História do Grande Oriente do Brasil' (Editora Madras).
Outro líder do levante era o famoso frei Caneca — homem tão carismático e respeitado que, com a derrota, foi condenado à morte, mas nenhum militar teve coragem de disparar contra ele (diante de um pelotão de fuzilamento paralisado, o jeito foi enforcá-lo). Mesmo assim, a loja continuou atuante.
Em 1829, os maçons remanescentes começaram a se reorganizar secretamente em torno do líder Gonçalves Ledo. Naquele ano, surgiram no Rio de Janeiro três lojas: Educação e Moral, Amor da Ordem e uma nova versão da Comércio e Artes — aquela mesma, cuja atuação havia sido tão importante no movimento de independência. O país parecia unido, finalmente.
Mas começava a ficar claro que dom Pedro I não duraria muito mais tempo no trono. Além dos desentendimentos internos com a base política do império, ele olhava com preocupação para os rumos que Portugal tomava. No dia 7 de abril de 1831, o imperador abdicou e pegou um navio para Lisboa.
Foi a senha para a imediata reorganização da maçonaria: a primeira reunião oficial dos maçons cariocas ocorreu já em outubro do mesmo ano. Era o recomeço do Grande Oriente do Brasil — a entidade à qual está subordinada, até hoje, a maior parte das lojas maçônicas brasileiras. Mas as coisas não seriam mais como antes.
Em 1830, havia surgido o Grande Oriente Nacional Brasileiro, uma federação que também se dizia herdeira da geração heroica de dez anos antes. Na medida que a década avançava, o país vivia uma grave crise de comando: dom Pedro II ainda era uma criança, e havia quem defendesse o retorno de seu pai, a instalação de um governo de regentes ou a antecipação da maioridade do novo rei.
Os maçons também estavam divididos. E pior: completamente desorganizados. Mas alguns personagens tiveram destacada atuação individual. Um deles foi o jornalista Evaristo Ferreira da Veiga, importante porta-voz do movimento moderado, que não queria a volta de Pedro I e deixava isso muito claro em seu jornal, o Aurora Fluminense.
Quando dom Pedro I morreu e levou a polêmica para o túmulo, em 1834, o foco da questão foi alterado; agora era preciso brigar pela antecipação da maioridade de Pedro II. A vitória dos defensores dessa medida foi alcançada, em grande parte, graças
aos esforços do senador cearense e maçom José Martiniano Pereira de Alencar (cujo filho, José de Alencar, seria um dos mais importantes escritores brasileiros do século 19).
A maçonaria atuava em várias frentes, e muitos irmãos se viram em lados opostos. Enquanto o governo federal, com apoio de parte da maçonaria, lutava contra uma nova
leva de movimentos separatistas, os maçons gaúchos Bento Gonçalves e Davi Canabarro lideravam a Revolução Farroupilha.
Já os baianos tomavam temporariamente o poder com Francisco Sabino Vieira à frente e maçons na retaguarda. Por outro lado, muitas das rebeliões da época, incluindo a Farroupilha, eram reprimidas com sucesso pelo futuro duque de Caxias, também maçom — e diretor do Supremo Conselho de um dos Grandes Orientes paralelos, que se multiplicaram no século 19. Caxias também combateria o maçom e padre Diogo AntonioFeijó, exregente de dom Pedro II, que liderou uma rebelião em São Paulo em 1842.
Com a consolidação do poder de dom Pedro II, os maçons se espalharam pelos dois lados do espectro político da época: liberais e conservadores. Muitos dos homens que hoje são nomes de ruas em todo o país participaram de algum dos braços da ordem: marquês de Sapucaí, marquês do Paraná, visconde do Uruguai, barão de Cairu, barão do Rio Branco, barão de Jaceguai, visconde de Itaboraí, visconde de Albuquerque, marquês de São Vicente... A lista quase não tem fim.
A partir da década de 1860, um ideal iria mobilizar uma porção considerável de maçons: o fim do regime escravista no Brasil. A proibição do tráfico negreiro já havia sido assinada
por um maçom em 1850, mas foi só 15 anos depois que a causa ganhou um bom volume de defensores fervorosos. Não se tratava apenas de libertar os escravos. Essa iniciativa estava intimamente relacionada a uma mudança no próprio sistema de governo.
Àquela altura dos acontecimentos [1867], muitas lojas já se encontravam em plena efervescência abolicionista, além de republicana, já que, na realidade, a campanha da abolição ocorreu, nos meios maçônicos, com a campanha republicana, sendo ambas baseadas na radicalização de posições assumidas por uma ala jovem da maçonaria brasileira”, escrevem os historiadores Castellani e Carvalho.
Essa nova geração de jovens irmãos incluía nomes influentes, mas sem títulos de nobreza. Dois deles, Joaquim Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva, lançariam já em 1870 um primeiro manifesto republicano. Na data do documento, 3 de dezembro, era oficialmente fundado o Partido Republicano.
Em abril de 1873, a maçonaria organizaria a Convenção de Itu, com 78 partidários da República debatendo o futuro do país sob a presidência do maçom João Tibiriçá Piratininga. Um ano antes, o padre e maçom José Luiz de Almeida Martins havia se desentendido com o bispo do Rio de Janeiro, dom Pedro Maria de Lacerda. Almeida defendeu a maçonaria e a causa abolicionista em público — enquanto o bispo exigiu, sem sucesso, seu afastamento da ordem.
A mobilização serviu para reforçar a coesão interna. Em 1882, pela primeira vez em 60 anos, a maçonaria estava novamente agrupada sob o chapéu de um único
Grande Oriente — apesar de seu grão-mestre, Luís Antonio Vieira da Silva, mais conhecido como visconde Vieira da Silva, ser leal a dom Pedro II.
Nessa época, Bocaiúva coordenava as atividades do jornal A República e organizava reuniões fechadas para preparar a derrubada do Império. Os preparativos se adiantaram quando o Parlamento entrou em uma nova crise. No dia 10 de novembro de 1889, sete dias depois da morte do grão-mestre, o homem que seria considerado o pai da República, o maçom Benjamin Constant, abrigaria em sua casa a reunião que decidiu pelo fim do Império.
Estavam presentes Campos Sales, Prudente de Moraes, Silva Jardim, Rangel Pestana, Francisco Glicério, Ubaldino do Amaral, Aristides Lobo e Bernardino de Campos. Com o apoio de um militar respeitado, o também maçom Deodoro da Fonseca(leia mais no per-
l ao lado), esses homens dariam o golpe final no regime que haviam ajudado a instalar.
Começava, para a maçonaria, um período de três décadas de controle inédito sobre os rumos do Brasil. A ordem estava no auge do poder político. E assim permaneceria até a chegada de Getúlio Vargasà Presidência, em 1930.