Grande parcela de seus súditos era imensamente mais rica do que ele. Na corte, havia residências muito mais confortáveis e luxuosas que a do imperador, destinadas a cientistas, artistas e intelectuais
Desde muito cedo, o imperador Dom Pedro II elegera, como credo pessoal, a filosofia de que quanto maior a grandeza de uma alma, mais profunda deveria se tornar a sua humildade. Assim, muitos historiadores apontam que, entre tantas outras virtudes, seu reinado teve como marca a modéstia e a humildade.
Grande parcela de seus súditos era imensamente mais rica do que ele. Na corte, havia, ainda, residências mais confortáveis e luxuosas que a do imperador, destinadas a cientistas, artistas e intelectuais. Dom Pedro II, contudo, não exigia para si mais do que sua escrivaninha e seus livros, gosto que desenvolveu logo cedo.
Tal fato foi documentado por diversas personalidades ao longo de seu reinado, como na ocasião em que um diplomata francês, em visita ao Brasil em 1842, descobriu Pedro, então com 17 anos, mergulhado na leitura de Platão. Em 1847, o escritor português Alexandre Herculano escreveria: “É geralmente sabido que o jovem imperador do Brasil dedica todos os momentos que pode salvar das ocupações materiais de chefe de Estado ao culto das letras.”
Tinha, o imperador, pois, nas ciências e na literatura as mais agradáveis ocupações do trono. Sua bússola moral, sem dúvida, foi a busca pelo conhecimento, com vistas a arrebanhar novas tecnologias para o Brasil, o que colocava em prática sempre que se ausentava do país. Procurava perguntar sobre tudo, mantendo-se informado sobre todos os assuntos.
Nesse requisito, sem dúvida, todas as suas viagens foram coradas pelo mais absoluto sucesso. Na França, procurou pelo cientista Louis Pasteur e o escritor Victor Hugo. Em Roma, após ser recebido pelo Papa Pio IX, foi se encontrar com o romancista Alessandro Manzoni.
Sempre tido como o mais acessível e humilde dos líderes, na Europa, os modos simples de Dom Pedro II desgostaram e escandalizaram a aristocracia. Um monarca que valoriza mais a companhia de um ficcionista boêmio à de Sua Santidade?
Todavia, Dom Pedro II seguia firme em seu propósito de travar contato com as mais proeminentes mentes de seu tempo, não importando seu status dentro da sociedade. Em Portugal, abandonou compromissos de Estado para visitar Camilo Castelo Branco, um grande escritor que caíra em desgraça quando o infortúnio o arrastou à sarjeta.
Em 1876, nos Estados Unidos, sua simplicidade fascinou os burgueses práticos e republicanos. O New York Herald, jornal escalado para cobertura de sua viagem, haveria de estampar em suas páginas: “muitos republicanos de Nova York teriam sido mil vezes menos acessíveis que Sua Majestade, o imperador do Brasil.”
De fato, a admiração despertada nos norte-americanos foi tão grande que se apressaram em tomar posse do brilho do personagem, homem prático e empreendedor, alcunhando-o de o Imperador Ianque ou ainda de o nosso Imperador Americano.
Nos artigos da já tradicionalmente crítica imprensa dos Estados Unidos, as palavras sobre Dom Pedro II são só elogios: “Confessamos que nos dá orgulho o nosso imperador americano ao fazer tanta coisa. Viaja sem ruído nem cerimônia. Vai ao fundo de cada questão. Vê tudo o que é possível ver. Não desperdiça tempo com Secretaria de Estado ou títeres de gabinete. Corre para assistir um espetáculo de Shakespeare; daí passa a ver como é feito um grande jornal e, ao amanhecer do dia seguinte, entra na igreja como um bom cristão.” Disse ainda o artigo do New York Times: “Se não fosse rei, daria um grande repórter.”
Mais tarde, escreveria um repórter do Washington Post: “Dom Pedro volta para o Brasil conhecendo os Estados Unidos melhor do que dois terços dos membros do Congresso.”
Uma caricatura da época, que ironiza esse interesse pelos intelectuais, talvez seja a mais autêntica síntese de quem foi Dom Pedro II do Brasil. A ilustração mostra o imperador chegando a um país estrangeiro e imediatamente perguntando ao seu presidente: “Onde estão os seus sábios?”
M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.
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