A Independência do Brasil, que estava longe de ser um movimento de ruptura com o passado colonial, preservou os interesses dos grupos dominantes
Depois do 7 de setembro de 1822, o Brasil manteria a escravidão por mais 66 anos. A Independência do Brasil, que estava longe de ser um movimento de ruptura radical com o passado colonial, preservou os interesses econômicos e sociais dos grupos dominantes: elites escravocratas e comerciantes influentes.
A aliança entre estes grupos era fundamentada na promessa de manutenção do tráfico transatlântico de escravos e da própria escravidão, tida como essencial para a unidade nacional. Nesse sentido, o desenvolvimento econômico e a ordem social estariam diretamente ligados à continuidade deste regime.
“A escravidão foi essencial no processo de independência porque os interesses de senhores de terra, produtores e traficantes confluíram para uma defesa da separação com Portugal, uma vez que a antiga metrópole não parecia forte o suficiente para assegurar uma situação política que garantisse não apenas a manutenção, mas principalmente a expansão do comércio negreiro com a África e o emprego da mão-de-obra escrava no Brasil - duas coisas que estavam crescendo - , sobretudo diante das pressões contrárias por parte da Grã-Bretanha”, explica o João Paulo Pimenta, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).
Assim, a independência relegou ao segundo plano os clamores por justiça social e liberdade que vinham de setores mais amplos da sociedade, incluindo os negros, que constituíam a maioria da população.
O debate da abolição da escravidão foi silenciado – e sequer mencionado na Constituição de 1824.
“Entendeu-se rapidamente que o novo país não poderia renunciar a seu principal ativo, embora, como diria José Bonifácio, não fosse desejável constituir um povo com larga população escravizada. Não à toa, nossa primeira Constituição praticamente silenciou sobre o cativeiro, no fundo, de tão naturalizado que estava em nossas mentalidades”, pontua Rodrigo Goyena, também professor do Departamento de História da USP.
Movimentos populares e lutas negras por independência e abolição da escravidão já ocorriam antes do 7 de setembro. A Conjuração Baiana de 1798, também conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios, defendia não apenas a independência política de Portugal, mas também o fim da escravidão e a instauração de um regime republicano.
Figuras célebres como Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, Lucas Dantas do Amorim Torres, Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus Nascimento participaram da revolta, somados a uma massiva participação de negros, tanto livres quanto escravizados, que relacionavam a independência à abolição da escravidão, um vínculo ausente nos outros movimentos.
“Escravizados e ex-escravizados estiveram presentes de variadas maneiras nas mobilizações políticas que caracterizaram o processo de Independência, bem como em seus enfrentamentos militares”, avalia Pimenta, que alerta contra a simplificação dessas lutas, ressaltando que os participantes tinham entendimentos e objetivos variados, muitas vezes conflitantes.
“Perfeitamente insubmissa, a população escravizada rapidamente se ergueria contra os grilões, mas num mundo tão desigual quanto aquele, os êxitos foram menores que os fracassos. Lamentavelmente, o país carregaria por décadas o infame legado da escravidão”, acrescenta Goyena.