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Matérias / Independência do Brasil

7 de setembro: A História por trás da Independência do Brasil

Embora comemorada num dia específico, a Independência do Brasil foi desfecho de um longo processo político pensado em diferentes lugares e momentos

Luiza Lopes Publicado em 07/09/2024, às 08h00

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Independência ou Morte, por Pedro Américo (1888) - Wikimediacommons via Museu Paulista
Independência ou Morte, por Pedro Américo (1888) - Wikimediacommons via Museu Paulista

Marcado no calendário dos brasileiros desde 1949, o 7 de setembro tornou-se feriado nacional durante o governo Eurico Gaspar Dutra. A data faz referência ao dia em que, às margens do riacho Ipiranga, D. Pedro I proclamou a Independência do Brasil

Embora comemorada num dia específico, a emancipação foi desfecho de um longo processo político.

Nesse sentido, o 'Grito do Ipiranga' foi "apenas mais um evento no intenso ano de 1822", diz Rodrigo Goyena, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). João Paulo Pimenta, também professor do Departamento de História da USP, concorda: "O processo de Independência já era pensado, esperado, temido, defendido e combatido em diferentes lugares e momentos".

Desde o Rio de Janeiro, que foi o centro irradiador do processo, até as províncias mais distantes, o movimento de ruptura com Portugal era defendido por uns e combatido por outros, conforme interesses locais e a conjuntura internacional se desenrolavam.

O Acontecimento da independência, com A maiúscula, poderia perfeitamente ser o famoso “cumpra-se”, quando se determinou ainda em maio de 1822 que as diretrizes de Lisboa deveriam passar pelo crivo do Rio de Janeiro para ter aplicabilidade no Brasil; ou, ainda, a própria coroação de d. Pedro I, em dezembro de 1822”, avalia Goyena.

A Independência

“A Independência do Brasil foi uma rica, complexa e dinâmica mescla de fatores internos e externos”, conta Pimenta. Segundo Goyena, “o processo começou em 1807/08, com a transmigração da Coroa bragantina para o Brasil; portanto, indubitavelmente, uma primeira pressão foi a napoleônica”.

“Quando as tropas francesas chegaram às portas de Lisboa, não restou outra possibilidade senão a de zarpar para o Brasil. O caso é que, com a transmigração, os interesses antes metropolitanos enraizaram-se no Brasil, tornando progressivamente mais conflitivo eventual retorno a Portugal. É o que na historiografia chamamos de interiorização da metrópole”, explica o historiador.

Goyena acrescenta que, "se as pressões foram primeiro externas, rapidamente se tornaram internas, por vias muito menos explícitas do que poderíamos pressupor inicialmente".

"Na virada para a década de 1820, tanto a Revolução Pernambucana quanto a Revolução Vintista, no Porto, aceleram as contradições a tal ponto, que se tornou insustentável a possibilidade vislumbrada em 1815 de manter incólume o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”, afirma.

Além disso, fatores como a “escravidão, o tráfico negreiro e os interesses econômicos a eles relacionados, a dispersão territorial das colônias portuguesas na América com arranjos regionais estabelecidos entre algumas delas” também influenciaram, aponta Pimenta.

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“A proclamação da Independência”, de François-René Moreau / Crédito: Wikimedia Commons via Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro

D. Pedro I: protagonista?

A história nunca se faz em torno de apenas um personagem, e não seria diferente com a Independência do Brasil. Para Goyena, a noção de D. Pedro I como principal nome por trás da Independência é uma leitura "personalista da história".

Segundo o historiador, há uma tendência de procurar as razões da história nos protagonismos individuais. No entanto, "os personagens históricos, em suas diferentes posições e hierarquias, são apenas expressões de contradições de longo fôlego”.

Como poderiam os interesses políticos e econômicos enraizados no Brasil desde a transmigração da Coroa aceitar, sem resistência, a perda de sua representatividade nas instâncias máximas de poder, o que ocorreria se o liberalismo português tivesse triunfado? Impossível. É nessa contradição, notadamente, que devemos procurar o protagonismo de D. Pedro I, e não em sua individualidade”, questiona Goyena.

Apesar disso, para Pimenta, “não se pode negar a enorme importância que D. Pedro I teve na Independência do Brasil. Durante o próprio processo, essa centralidade foi sendo exaltada, exagerada e mitificada por ele próprio e por seus apoiadores, mas não há dúvida de que ele foi, sim, um dos personagens centrais daqueles acontecimentos”. 

Além do imperador, "centenas de outras figuras atuaram de modo a imprimir marcas no processo: ricos proprietários de terras, bens e escravos; comerciantes de todo tipo; jornalistas e escritores; políticos; militares; pessoas de média ou baixa condição social, inclusive escravos, ex-escravos, indígenas e seus descendentes”, complementa.

Leopoldina

A imperatriz Leopoldina, em particular, “foi uma personagem importante nas alianças diplomáticas da época, pois seu casamento com o então príncipe Pedro teve como finalidade uma aproximação entre Portugal e a Áustria, uma potência reacionária da época. Durante o rompimento entre Brasil e Portugal, Leopoldina, uma refinada princesa educada nos valores mais tradicionais da época, era claramente contrária à ruptura, mas entendia que, sendo ela inevitável, o melhor a fazer seria apoiar o marido, pois isso pelo menos garantiria que o Brasil teria um governo monárquico, e não republicano”, avalia Goyena

De fato, nos últimos meses de 1822, ela atuou como regente em momentos da ausência de seu marido, "como era de se esperar nos arranjos políticos da época", afirma Pimenta. "Considerá-la, porém, como a pessoa que teria decidido ou definido a própria Independência, seria uma extrapolação distorciva e mitificadora”.

Para Goyena, "era aquela uma sociedade altamente hierarquizada em termos de gênero, e Leopoldina era voz do que havia de mais conservador na Europa". "É verdade que em determinados episódios ele pareceu acelerar a ordem dos acontecimentos, mas as individualidades não fazem a história senão em condições dadas", diz. 

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D. Pedro I e Leopoldina em pintura de Arnaud Pallière / Crédito: Wikimedia Commons via Domínio Público

Os historiadores questionam a transformação de figuras e símbolos tradicionais da história e da nacionalidade brasileiras em algo caricato. "Há uma questão da primazia das contradições de longo fôlego sobre a ação das personalidades”, diz Goyena.

Pimenta pontua que esta postura é "uma das várias maneiras pelas quais, nos últimos duzentos anos, nossa nação tem apresentado versões alternativas, tem disputado e parcialmente revisado seus conteúdos, mas quase nunca revisando seus pressupostos fundadores".

Consequências

Em seu livro "Formação da Nação Brasileira" (2024), Pimenta avalia que a partir da Independência do Brasil foram criadas "condições e as necessidades específicas que explicam a transformação de uma identidade brasileira em uma referência cada vez mais ampla, capaz de plasmar uma nova comunidade social doravante identificada como uma nova nação". 

Nesse sentido, o historiador afirma que "as consequências mais imediatas foram, também, os primeiros passos das mais profundas: a criação de condições para o surgimento, no Brasil, de um Estado, de uma nação e de uma identidade nacional que não existiam antes, e que se consolidariam, em seus contornos essenciais, ainda no século XIX". 

Além disso, para Goyena, “a ascendência do Centro-Sul sobre o restante do país organizou-se administrativa e constitucionalmente o Brasil de tal maneira que o Rio de Janeiro se tornou uma draga tenaz dos recursos de outras províncias. Em boa medida, essa centralização auxiliou o advento da cafeicultura no Vale do Paraíba fluminense com todo o que ela pressupôs: a escravidão, o latifúndio e a força do capital produtivo na ordenação política do Estado”.