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Curiosidades / Van Gogh

A verdade sobre o dia em que Van Gogh arrancou a própria orelha

Um dos mais famosos artistas que já viveu, Vincent van Gogh decepou, em uma fase de declínio mental, sua própria orelha esquerda; entenda a história!

Éric Moreira
por Éric Moreira

Publicado em 02/09/2024, às 18h00

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Autorretrato de Vincent van Gogh com bandagens na orelha, após arrancá-la - Domínio Público via Wikimedia Commons
Autorretrato de Vincent van Gogh com bandagens na orelha, após arrancá-la - Domínio Público via Wikimedia Commons

Ao longo da História, foram poucos os artistas que conseguiram tanto destaque, influência e notoriedade — mesmo que somente após sua morte — que Vincent van Gogh. Neerlandês, ele nasceu em março de 1853, e criou mais de duas mil obras em sua vida; entre elas, sua criação mais famosa é 'A Noite Estrelada'.

Porém, embora tenha sido um artista inegavelmente talentoso, a história de van Gogh chama atenção por vários outros aspectos que fazem dele uma personagem singular. Ele morreu — precocemente, aos 37 anos, por suicídio — beirando a miséria, tendo ficado conhecido somente anos depois, após uma vida bastante trágica.

Montagem com autorretrato de Vincent van Gogh com obra 'A Noite Estrelada' ao fundo - Domínio Público via Wikimedia Commons

Em sua vida, sofreu com transtornos mentais como depressão, transtorno afetivo bipolar, problemas com alcoolismo, esteve internado em duas instituições psiquiátricas... Não apenas sua arte, como sua história trágica comove quem busca conhecê-lo melhor até hoje.

Um dos episódios mais memoráveis que refletem seus períodos de maior confusão mental, que muita gente já ouviu falar, mas nem sempre conhece a fundo, é quando van Goghcortou sua orelha esquerda, ou ao menos parte dela, após uma discussão com Paul Gauguin, um artista com quem trabalhava em Arles, no sul da França e diferia de opiniões sobre arte. Entenda mais sobre esse incidente!

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Orelha decepada

Segundo o site da Biblioteca Berkeley, era noite de 23 de dezembro de 1888 — dois anos antes da morte de van Gogh — que o artista neerlandês cortou, segundo os relatos, parte de sua própria orelha esquerda. Porém, sempre houve muita inconsistência sobre estes relatos e entre diferentes autores.

Por isso, a historiadora de arte irlandesa Bernadette Murphy decidiu se aprofundar nesse episódio da vida de van Gogh e, em 2016, publicou o livro 'Van Gogh's Ear' ('A Orelha de van Gogh', em tradução livre), em que revelou detalhes de sua pesquisa.

Orelha inteira?

Até recentemente, era considerado um consenso que, quando van Gogh mutilou sua própria orelha, ele arrancou apenas o lóbulo. Isso se baseou principalmente no relato de uma testemunha ocupar, o artista francês Paul Signac, que visitou o neerlandês após o incidente, e descreveu em uma carta que ele "cortou o lóbulo", e "não a orelha inteira".

Porém, van Gogh, como o artista incansável que era, representou-se em vários autorretratos após o incidente, com a cabeça inteira coberta por bandagens. Além disso, em cartas da época, o artista descreveu ter passado semanas no hospital, se recuperando de febre e infecção, o que não parecia conforme a mera remoção de um lóbulo.

Foi quando investigou no Museu van Gogh, em Amsterdã, que Murphy encontrou uma pista valiosa sobre o mistério do ferimento. Ela descobriu a existência de uma carta de 1955 que mencionava um diagrama do ferimento original de van Gogh, desenhado pelo médico que o tratou, Félix Rey. O desenho mostra uma incisão clara na base da orelha — ou seja, van Gogh realmente cortou sua orelha inteira, deixando apenas uma lasca do lóbulo.

Quando vi o desenho pela primeira vez, comecei a chorar", disse Murphy à Berkeley Library. "De repente, pensei: 'Meu Deus — ele realmente fez isso".
Dois autorretratos de van Gogh após decepar a orelha / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Mas afinal, como surgiu a ideia de que van Gogh teria arrancado apenas o lóbulo de sua orelha? Segundo Murphy, após uma inspeção da carta de Signac, encontrou a resposta na linha em que dizia "Vincent estava vestido como de costume, usando uma faixa em volta da cabeça e um gorro de pele". Logo, o artista francês sequer viu a orelha descoberta.

Destino da orelha

Outro detalhe da história que sempre foi muito debatido é o destino da orelha de van Gogh. Por muito tempo, historiadores concordavam que o artista presenteou uma prostituta chamada Rachel, do bordel que frequentava em Arles, com o membro decepado, pedindo para ela "guardar este objeto com cuidado", segundo uma reportagem de jornal local. A moça teria desmaiado logo após isso.

Porém, o que Murphy também descobriu foi que a mulher para quem van Gogh deu sua orelha não era uma prostituta, mas sim uma faxineira do bordel. A pesquisadora vasculhou o censo de Arles, e não descobriu nenhuma prostituta chamada Rachel. Porém, ela descobriu uma reportagem que dizia que a mulher se chamava Gaby, e encontrou uma jovem chamada Gabrielle.

No entanto, Gabrielle tinha apenas 18 anos na época do episódio da orelha, enquanto para ser uma prostituta registrada naquela época, era necessário ter ao menos 21. Acontece que Gabrielle era empregada doméstica do bordel, em vez de prostituta, pois juntava dinheiro para pagar contas médicas após uma mordida de um cão raivoso.

Nesse período, inclusive, ela também trabalhou em um café em Arles que van Gogh regularmente visitava. Por isso, embora não exista qualquer confirmação, possivelmente os dois tinham algum nível de proximidade que não se pensava anteriormente.

Após o incidente

Outro evento que se relaciona ao surto em que van Gogh decepou a orelha ocorreu dois meses depois, em fevereiro de 1889, quando teoricamente foi lançada uma petição por vizinhos do artista em Arles, para que ele fosse institucionalizado e removido da Casa Amarela, onde vivia e produzia. Na época, van Gogh pensou que 80 pessoas assinaram a petição, o que o chateou grandemente, mas a verdade é que apenas 30 pessoas o fizeram.

Com sua pesquisa, porém, Murphy descobriu ainda mais. Após compilar um banco de dados de todos os 13 mil residentes de Arles durante os 14 meses que van Gogh viveu por ali, ela descobriu ainda que, dos 30 signatários, 24 sequer moravam em Arles, mas eram apenas conhecidos do gerente da Casa Amarela, que apenas queria se desfazer de seu inquilino.

'A Casa Amarela', de Vincent van Gogh / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Após isso, em 1890, van Gogh mudou-se para a cidade de Auvers-sur-Oise, perto de Paris, onde pôde viver mais perto de seu irmão, Theo. Lá ele seguiu pintando, mas no meio daquele ano sua saúde mental começou a piorar, até culminar no dia 29 de julho de 1890, quando se suicidou com um tiro no peito. Assim, a trágica história de Vincent van Gogh chegou ao fim, antes que ele pudesse conhecer sua influência para o mundo da arte.