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StandWithUs Brasil / Holocausto

A história por trás das músicas compostas por judeus durante o Holocausto

As músicas mostram o esforço de prisioneiros judeus para preservar seu nível de sanidade e humanidade durante o Holocausto

Silvia Rosa Nossek Lerner Publicado em 28/08/2024, às 19h00

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A entrada de Auschwitz - Getty Images
A entrada de Auschwitz - Getty Images

O povo judeu sempre cantou. E é no yidish, falado pelos judeus do leste europeu, que encontramos canções seculares, mostrando os sentimentos dos judeus ashkenazitas. Canções que refletem o dia a dia de sua vida, em diferentes momentos de sua história.

Durante o domínio nazista, um número menor de pessoas conseguiu produzir canções, a grande maioria em yidish, através das quais se tem uma ideia do que era aquele mundo lacrado por fora, enquanto por dentro era culturalmente fermentado e fisicamente deteriorado. 

Schmerke Kaczerginski (1908-1954), escritor e partisan, após a guerra compilou grande parte dessas composições através da memória dos sobreviventes ou em arquivos milagrosamente preservados dos escombros.

Segundo Kaczerginski, parece “anti- natural que, no palco, numa cena triste, o ator comece repentinamente a cantar, pois, na vida real isso não acontece. Mas a experiência nos demonstrou que os judeus, nos momentos mais terríveis, procuraram descarregar a opressão de seus corações através da canção”.

A sua compilação (“Songs of the Ghettos and Camps” – 1948) contem cerca de 300 poemas /composições reunidos de 30 guetos, campos de concentração e florestas onde os partisans judeus se escondiam. Essas peças foram agrupadas em: canções de ninar, canções de trabalhadores, sátiras e baladas, canções de oração, canções de dor e angústia, vergonha e humilhação; canções sobre a vida no gueto, a preocupação dos pais em relação ao futuro de seus filhos, sobre atos heroicos, sobre o ódio ao inimigo, sobre o contra-ataque/ a chamada para a luta, sobre fé e esperança de dias melhores.  Não há músicas que evoquem tempos de normalidade, temas como amor e casamento, crianças, alegria no trabalho e no estudo, humor ou felicidade.

Segundo a étnico-musicóloga Gila Flam (filha de sobreviventes do gueto de Lodz) em seu livro "Singing for Survival" (Cantando para Sobreviver) o “cantar ajudava a pessoa a fazer um sumário de seu desespero, raiva e esperança; cantando, ela expressava o sonho, a fantasia de escapar; cantar levava a pessoa integrar-se num grupo, o que a ajudava a amenizar seu sofrimento. Mas, além e acima destas considerações, havia um denominador comum a todos: os habitantes do gueto cantavam para sobreviver. Suas canções eram a voz humana reclamando sua identidade num ambiente não-humano”.

A importância

Canções faziam parte de um significativo segmento da população que habitava os guetos; assim também atividades culturais como concertos, teatro, dança, coral, apresentações de músicas e composições literárias, para que os ânimos não se deixassem abater.

Os poemas e as canções que chegaram até nossos dias são prova do esforço que os prisioneiros judeus fizeram para preservar seu nível de sanidade e humanidade. Grande parte da população dos guetos se beneficiou psicologicamente dessas atividades artísticas e culturais.

Muitas das canções eram levadas pela memória com os presos nos seus transportes a outros guetos e campos. Dessa forma, algumas composições musicais alcançavam inúmeros judeus.

Para alguns estudiosos do período, os esforços dos habitantes do gueto em manter-se esperançosos pelo exercício da música era o elo que os ajudava a manter sua dignidade humana. Porém, há os que achavam que esse exercício cultural abrandou o espírito de revolta, eliminando as possibilidades de uma rebelião que incitasse todos os guetos a um motim coletivo.

Tempos passados

Espaços concentracionários como o gueto de Varsovia, o Gueto de Vilna, de Lodz, de Theresienstad produziam suas canções, na maioria das vezes, falando dos tempos passados, das saudades de casa, da esperança de dias melhores e muitas vezes a preocupação com seus filhos e o futuro destes.

Nos campos de extermínio também foram produzidas músicas, muitas vezes transformadas em hinos, como em Auschwitz e Treblinka. Muitas das músicas foram produzidas em ritmo de tango.

Podemos sintetizar o que a produção musical representou neste período, com a ideia de Schmerke  Kaczerginski após a primeira apresentação da música Friling, no Gueto de Vilna, em 1942:

"Nós fazemos canções e as cantamos,

pois as canções unem nossas almas,

elevam nossos sentimentos e

sustentam nossos músculos".


*Silvia Rosa Nossek Lerner é mestre em Psicanálise, Cultura e Sociedade com o tema Arte e Música em Tempos de Intolerância.  Historiadora especializada em Estudos sobre Holocausto, pela Escola Internacional de Estudos sobre o Holocausto, no Yad Vashem, Jerusalem, Israel.  Pós-graduada em História do Século XX, Coordenadora do Programa de Estudos Judaicos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), de 2003 a 2020. Pesquisadora do LEER - Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação e do ARQSHOAH – Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo, sob a direção da Professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de São Paulo ( USP), desde 2008. Responsável pela elaboração da trilha musical do Museu do Holocausto de Curitiba, inaugurado em 2011, baseada nas músicas compostas pelos judeus durante o Holocausto. Autora dos livros Liberdade de Escolher como Morrer: Resistência Armada dos Judeus durante o Holocausto (Ed. Imprimatur, 2015), A Música como Memória de um Drama: o Holocausto (ed. Garamond, 2017),  Arte em Tempos de Intolerância: Theresienstadt (Ed. Rio Books, 2020), indicado ao Prêmio Jabuti-2021, em duas categorias e pela imprensa brasileira como “leitura indispensável no ano de 2021” e A Música e os Músicos em Tempos de Intolerância: o Holocausto (Ed. Rio Books, 2023).

O texto foi proporcionado pela StandWithUs Brasil, instituição que trabalha para lembrar e conscientizar sobre o antissemitismo e o Holocausto, de maneira a usar suas lições para gerar reflexões sobre questões atuais.