Um dos mais famosos filmes de Kubrick, 'Laranja Mecânica' foi razão para grande polêmica após seu lançamento, de forma que o próprio cineasta o baniu do Reino Unido por 27 anos; entenda!
Considerado por muitos um dos maiores cineastas de todos os tempos, Stanley Kubrick tem uma carreira repleta por clássicos do cinema, que chamam atenção por sua forma única de criar narrativas.
Porém, além da qualidade técnica notória, algumas obras do autor estadunidense também eram razão para polêmicas.
Em meio a sua filmografia, entretanto, um trabalho que deu dor de cabeça e gerou reações adversas foi 'Laranja Mecânica' (1971). O filme é uma adaptação do livro homônimo de 1962, escrito pelo britânico Anthony Burgess.
Após o lançamento de 'Laranja Mecânica', Kubrick obteve uma bilheteria satisfatória, porém, especificamente os britânicos, tiveram dificuldade para assistir ao longa. Isso porque o próprio Kubrickbaniu o longa do Reino Unido, o que permaneceu por 27 anos. Entenda!
+ Censura no Brasil e cenas deletadas: 5 curiosidades sobre o filme 'Laranja Mecânica';
Um artista de forte convicção e visão, Kubrick irritou o público geral ao longo de sua carreira em diferentes momentos. A primeira dessas ocasiões foi após o lançamento de seu filme anti-guerra 'Glória Feita de Sangue', em 1967.
Se trata de um conto da Primeira Guerra Mundial acerca de um oficial francês encarregado de liderar suas tropas em uma missão suicida. Contundente ao representar as elites militares e a natureza corrupta da dinâmica do poder, o filme foi recebido com desdém pelos censores da França, o que o impediu de ser lançado no país até 1975. Além de lá, ele também foi proibido na Suíça, até 1978, e na Espanha, até 1986.
Porém, após 'Glória Feita de Sangue', ele ainda chocaria o público com 'Lolita' (1962), uma história que acompanha um homem de meia-idade e sua paixão por uma garota de 14 anos — o que já deixa claro o porquê de ter sido polêmico.
Também não podemos esquecer de 'Dr. Fantástico' (1964), sobre um general americano insano que tenta iniciar uma guerra nuclear contra a Rússia. De qualquer maneira, nenhum o preparou para o que viria com 'Laranja Mecânica'.
+ O Iluminado: Filme tem final alternativo que você nunca verá;
'Laranja Mecânica' (1971) é um filme sobre os chocantes e brutais feitos de Alex DeLarge (Malcolm McDowell), um jovem e ultra violento fã de "Ludwig van" Beethoven que, em uma sociedade distópica, é colocado em reabilitação contra sua violência.
No longa, vemos uma sequência de feitos terríveis cometidos por Alex, antes de ele começar a abominar qualquer forma de violência de maneira traumática.
Da mesma forma como o longa pode provocar múltiplas reações hoje, causou na época de seu lançamento, deixando críticos e os meios de comunicação polarizados.
Alguns apreciavam a coragem do diretor com sua abordagem, além do retrato escabroso dos comportamentos humano mais perturbadores; outros, porém, sentiram repulsa e até mesmo dirigiram críticas diretamente ao cineasta.
Alex foi transformado em um estuprador sádico, não pela sociedade, nem por seus pais, nem pelo estado policial, nem pela centralização e nem pelo fascismo rastejante — mas pelo produtor, diretor e escritor desde filme, Stanley Kubrick", escreveu na época o crítico de cinema norte-americano Roger Ebert.
Embora Kubrick já tenha conquistado a fama de 'cineasta provocador' com seus filmes, 'Laranja Mecânica' o levou a sofrer uma pressão implacável, pois, uma sequência de crimes brutais no Reino Unido, paralelos ao lançamento, foi associada ao longa, o que tornou a vida do cineasta em um próprio inferno.
Dois incidentes em específico merecem destaque, que conquistaram bastante atenção da mídia local na época. Um deles foi quando um jovem de 16 anos cometeu um assassinato, explica o Collider.
Foi suficiente para que fossem apontadas semelhanças comportamentais com Alex no filme. Pura histeria. Mais tarde foi determinado que o adolescente sequer tinha assistido a 'Laranja Mecânica', e o caso esfriou.
Outro, porém, ocorreu quando um grupo de adolescentes cometeu agressão sexual contra uma jovem de 17 anos. O caso foi associado ao filme, pois, assim como faz o personagem Alex em uma das cenas mais icônicas do longa, eles teriam cantado 'Singin' in the Rain' enquanto cometiam o crime.
Enquanto a incidência de crimes crescia, e cada vez mais se associava a onda de violência ao filme de Kubrick se sentia cada vez mais pressionado. Ele até mesmo desabafou sobre a pressão em entrevista a Michel Ciment, do Positif:
Sei que há pessoas bem-intencionadas que acreditam sinceramente que os filmes e a televisão contribuem para a violência, mas quase todos os estudos oficiais sobre esta questão concluíram que não há provas que apoiem esta opinião. Ao mesmo tempo, penso que a mídia tende a explorar a questão porque lhes permite exibir e discutir as chamadas coisas prejudiciais a partir de uma posição elevada de superioridade moral."
Ainda assim, a esposa de Kubrick, Christiane, revelaria posteriormente que a tempestade da mídia em cima de 'Laranja Mecânica' levou o marido a receber, até mesmo, ameaças de morte.
Por isso, sofrendo tamanha pressão e temendo pela própria segurança e também de sua família, Kubrick decidiu que retiraria seu filme dos cinemas britânicos.
A partir de 1973, 'Laranja Mecânica' foi retirado de circulação em todo o Reino Unido; o que não poderia acontecer sem um status quase mítico, levando o filme a ser conhecido como um filme "proibido" para os britânicos.
Embora muitos se esforçassem para assisti-lo, Kubrick permaneceu empenhado em mantê-lo fora de circulação, a ponto de até mesmo liderar uma acusação legal contra o Scala Cinema, do norte de Londres, após ter exibido o filme ilegalmente.
Durante quase três décadas, os britânicos só puderam assistir 'Laranja Mecânica' por meio de cópias e impressões em VHS compradas nos mercados internacionais, o que estabeleceu ainda mais uma lenda em torno da produção. As restrições só seriam suspensas na primavera do ano 2000, um ano após a morte de Kubrick.
Quando questionado sobre a relação entre arte e realidade, o cineasta disse em entrevista à Sight&Sound em 1972: "Tentar atribuir qualquer responsabilidade à arte como causa da vida parece-me colocar o caso de forma errada. A arte consiste em remodelar a vida, mas não criar vida, nem causar vida".
Com essa noção, não surpreende que a eventual liberação de 'Laranja Mecânica' no Reino Unido não tenha acarretado uma nova onda de violência. Em vez disso, hordas de espectadores ansiosos por ver a obra tomaram os cinemas, e o clássico cinematográfico de Stanley Kubrick marcaria para sempre a história do cinema.