Goodwin sofre com um transtorno mental que faz com que ela tenha múltiplas personalidades, assim como acontece com o protagonista do filme “Fragmentado”
Melanie Goodwin é uma mulher britânica de 64 anos, que é casada, trabalha e tem filhos. Sua vida normal, contudo, não veio de forma gratuita: a estabilidade surgiu somente após muito esforço e terapia. Isso porque Goodwin possui uma doença chamada Transtorno de Identidade Dissociativa (TDI), previamente conhecido como Transtorno de Múltiplas Personalidades. A impressionante história de Melanie foi revelada pela BBC em 2017.
Isso significa que ela não tem uma personalidade única, e sim plural, como se vários indivíduos dividissem sua consciência. Cada uma de suas partes têm gostos, características e idades diferentes. Por exemplo, uma sofre de anorexia, uma é uma garotinha assustada de apenas 3 anos de idade, uma é uma adolescente de 16, outra já teve tentativas de suicídio no passado, e pelo menos nove partes suas são adultas e administram diferentes partes de sua vida.
Seria de se imaginar que uma condição tão única seria impossível de passar despercebida na vida de alguém, mas Melanie só descobriu que tinha o transtorno aos 40 anos de idade, quando passou pelo estresse de uma tragédia familiar, e também estava por acaso lendo um livro chamado The Flock (O Bando, em tradução livre), que traz a doença em sua temática.
Ao se reconhecer nas páginas, ela teria falado com o marido, com quem já era então casada faziam 20 anos. Ele se lembrou de uma das vezes em que o comportamento dela foi errático: Em um dia, perguntou se a esposa queria café, e ela disse “Sim, adoraria”, já no dia seguinte a mesma pergunta gerou a resposta “Você sabe que eu não bebo café, sou alérgica!”. Mais tarde, Melania descobriu que era sua personalidade de 16 anos que preferia distância da bebida.
TDI
A condição é causada pela presença de traumas repetitivos durante a infância. Isso porque o cérebro da criança passa a desenvolver mecanismos de proteção para garantir sua sobrevivência, dentre eles barreiras de amnésia na personalidade da criança.
Uma parte então esquece os acontecimentos que a traumatizaram, e tem a chance de viver uma infância normal, enquanto uma outra parte lida com as consequências dos abusos sofridos.
“Ela está usando sua cognição inconsciente para adaptar sua maneira de pensar e seu comportamento para conseguir se manter segura. O trauma pode congelar você no tempo. E porque o trauma continua com o passar dos anos, há vários pequenos congelamentos acontecendo por toda parte.”, explicou o psicoterapeuta Remy Aquerone, que trabalha no Centro Pottergate para Dissociação e Trauma, onde Goodwin se trata, no Reino Unido.
Nem todo mundo que passa por abusos na infância, porém, acaba com Transtorno de Identidade Dissociativa. Outros fatores também influenciam o desenvolvimento da doença, como herança genética, e uma conexão fraca com os cuidadores durante os primeiros anos.
“O que não se tem quando criança é um pai ou mãe metaforicamente segurando você e o ajudando a aprender como lidar consigo mesmo”, exemplificou a especialista em psicologia Wendy Johnson, em entrevista à BBC, se referindo a esse tipo de laço instável.
Tratamento
Melanie Goodwin enfrentou muitos desafios em seu tratamento, incluindo a quebra das barreiras de amnésia que a protegiam dos seus traumas do passado. Isso porque memórias de abusos sexuais começados quando tinha apenas 3 anos, e que se estenderam até os 16 acabaram voltando para sua consciência. O suporte de seu marido, e uma relação de confiança com seu terapeuta foram fundamentais durante o processo, que não foi curto.
Por uma década, ela teve dificuldades de administrar sua vida, até afinal descobrir como melhor cooperar com suas partes: “Aprendemos a compartilhar essa vida em comum entre nós”, contou Goodwin. Atualmente, Melanie é diretora da associação First Person Plural (ou “Primeira Pessoa do Plural”, em tradução livre), e busca espalhar mais informações sobre o TDI, para que as pessoas possam entender melhor a realidade desse complexo transtorno.
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