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Matérias / Brasil

Seis golpes marcam a história do Brasil; relembre em guia completo

A ânsia pelo poder, desconfiança na democracia e o uso de práticas autoritárias marcam nossa política com perseguições, torturas e mortes

Diego Antonelli Publicado em 26/03/2023, às 18h00

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Manifestação contra a ditadura militar no Brasil - Arquivo Nacional/Domínio Público
Manifestação contra a ditadura militar no Brasil - Arquivo Nacional/Domínio Público

Demorou apenas um ano e dois meses após a independência para o Brasil sofrer seu primeiro golpe de Estado. O país tinha acabado de nascer como nação quando o imperador dom Pedro I ordenou, em novembro de 1823, dissolver a Assembleia encarregada de elaborar a primeira Constituição brasileira.

Tudo porque o documento colocaria limites ao poder do monarca. No episódio, ele mandou o Exército invadir o plenário onde estavam os membros da Assembleia resistindo por horas – em vão.  Muitos deputados, incluindo o patriarca da independência, José Bonifácio, foram presos e deportados. E, assim, inaugurava-se o ciclo de golpes políticos que passaram a ser rotina em território nacional.

Desde então, a sociedade convive com golpes (e tentativas de golpes) que incluem fatos como a nomeação de um jovem imberbe, Pedro II, no comando do país até a implantação na marra de um sistema republicano que ia ao encontro dos interesses militares e das elites.

Nos anos 1930, dois golpes perpetrados por Getúlio Vargas foram registrados em um intervalo de sete anos, resultando em fechamento do Congresso, cancelamento de eleições e perseguições aos opositores políticos e à imprensa. Tal situação se repetiu com o Golpe de 1964, que colocou o país em um regime ditatorial durante cerca de 21 anos. Choques elétricos, afogamentos e muita violência deixaram marcas eternas nas vítimas do Regime Militar, que perdurou no país até 1985.

Torturas tornaram-se práticas rotineiras no período, especialmente depois da promulgação do Ato Institucional número 5 (AI-5), no mandato do general Costa e Silva, em 1968. Em comum entre os episódios golpistas registrados no país, há a ânsia pelo poder, a desconfiança na democracia e o uso de práticas autoritárias que levaram o Brasil a conviver nesses mais de 200 anos de independência com perseguições políticas, censuras, repressões, torturas e mortes.

Em 1823, a noite da agonia

Insatisfeito com os rumos que a primeira Constituição brasileira tomava, o imperador Dom Pedro I entrou para a História como o responsável por aplicar o primeiro golpe político em território nacional. O mesmo homem que se tornou reconhecido pelo brado “Independência ou Morte” também se tornou o primeiro líder político golpista do país.

Oito meses após a independência, havia sido instalada, em 3 de maio de 1823, a Assembleia Geral Constituinte que iria debater as novas leis que seriam adotadas na nação recém-emancipada. A Assembleia, no entanto, entrou em confronto direto com o imperador, que não aceitou a tentativa de redução do seu poder.

O deputado paulista Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, o então relator da Constituinte, havia apresentado em 1° de setembro um projeto de Constituição com 272 artigos. De modo geral, a proposta era de teor liberalizante e de contenção da rédea do monarca, que não teria poderes absolutistas e autoritários.

Segundo Lilia Schwarcz e Heloisa Starling no livro Brasil: Uma Biografia , o projeto previa o estabelecimento do predomínio do Poder Legislativo sobre o Executivo, “medida que claramente contrariou a dom Pedro I e ao Partido Português, que defendia abertamente o absolutismo”. Com ajuda militar, o imperador mandou invadir na madrugada do dia 12 de novembro de 1823 o prédio da Assembleia Geral Constituinte Brasileira.

Muitos deputados foram presos e, posteriormente, exilados – enrijecendo o episódio que passou a ser conhecido como a “Noite da Agonia”, no qual dom Pedro I “mostrou que não aceitava ter seus poderes limitados”, descrevem as pesquisadoras. Em seguida, o imperador nomeou um Conselho de Estado para elaborar uma Constituição que lhe dava amplos poderes.

Outorgada em 1824, a nova Carta implantou o Poder Moderador a ser exercido exclusivamente por dom Pedro I. “O monarca reservava para si, entre outras prerrogativas, o direito de nomear senadores, convocar e dissolver assembleias legislativas, sancionar decretos, suspender resoluções dos conselhos provinciais, nomear livremente ministros de Estado, indicar presidentes de províncias e suspender magistrados”, explicam Mary Del Priore e Renato Venancio, autores de Uma Breve História do Brasil.

Em 1840, o Golpe da Maioridade

Em sete de abril de 1831, dom Pedro I abdicou do trono brasileiro em favor de seu filho Pedro de Alcântara, que tinha apenas 6 anos de idade. A instabilidade política com as lideranças locais e a oscilação que o imperador mantinha entre os interesses políticos brasileiros e portugueses foram alguns dos fatores determinantes para que a sua manutenção no cargo chegasse ao limite.

Isso sem falar dos escândalos familiares e das muitas amantes que Pedro I manteve durante seu reinado. Foram 18 filhos oficialmente registrados, tidos com duas esposas (Leopoldina e Amélia) e outras cinco mulheres. Nesse contexto, Pedro Iembarcou rumo a Portugal, deixando o governo brasileiro praticamente à deriva (ele jamais voltou a ver o filho sucessor do país).

D. Pedro I e Imperatriz Leopoldina reunidos em retrato oficial - Crédito: Arnaud Pallière via Wikimedia Commons

A solução, segundo a Constituição de 1824, era que houvesse um período de transição em que o Brasil fosse governado por regentes até dom Pedro II completar 18 anos e atingir a maioridade, em 1843. No entanto, o período regencial durou até 1840, quando foi deflagrado o segundo golpe político no país: o golpe da maioridade, aplicado em 23 de julho daquele ano.

Importante lembrar que o Brasil convivia com intensas disputas políticas entre liberais e conservadores e com diversas revoltas, como a Cabanagem, no Pará, Farrapos, no Rio Grande do Sul, e a Sabinada, na Bahia, que, segundo Marion Brepohl, professora de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR), “refletiam movimentos sociais em favor de uma maior participação popular e traziam ideias ilustradas para a política brasileira. Isso assustava os conservadores escravocratas”.

Chegou, nessa época, a ser organizado um “Clube Maiorista” com o objetivo de adiantar a posse de Pedro II. “Naquele momento, conservar a monarquia significava conservar o status quo”, diz a professora. Parlamentares ligados apresentaram propostas de reforma da Constituição para tentar antecipar a nomeação do imperador, o que poderia ajudar a acalmar a situação no país. Porém todos os projetos foram rejeitados.

Decidiram persuadir o jovem a querer assumir o trono o quanto antes e, mesmo sendo inconstitucional, a medida foi aprovada. Dom Pedro II era um adolescente de apenas 14 anos quando foi nomeado Imperador do Brasil e, nas palavras de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, “parecia pouco entender as contingências mais urgentes do mundo da política”.

Em 1889, a Proclamação da República

Um golpe militar colocou fim ao regime monárquico no Brasil. Esse foi o desfecho da chamada “Proclamação da República” ocorrida em 15 de novembro de 1889. O movimento republicano já existia no país desde o período colonial, mas foi a partir do reinado de dom Pedro II que o debate se intensificou.

Vários motivos explicam a luta pelo fim do regime imperial. Um ano antes havia sido abolida a escravatura. Os grandes latifundiários que representavam a elite econômica da época argumentavam que passou a faltar mão de obra. Além disso, alguns líderes republicanos pertenciam ao Exército, como o tenente-coronel Benjamin Constant.

As forças militares estavam se sentindo desprezadas pelo Império e exigiam – sem sucesso – melhorias salariais e promoções. Havia, ainda, a vontade do Império de substituir os batalhões militares da Corte pela Guarda Nacional. Os militares, segundo os autores Mary Del Priore e Renato Venancio, “tinham razões para estar descontentes: a política de enfraquecimento e de desmobilização das Forças Armadas significou para eles que de nada havia valido o sangue derramado na Guerra do Paraguai (1864-1870)”.

Diante desse cenário, o golpe foi articulado e marechal Deodoro da Fonseca assumiu o posto de primeiro presidente da República brasileira. Dom Pedro II foi deposto, exilado na Europa e, dois anos depois, morreu em Paris. “Os militares depuseram o Imperador, que tinha amplo apoio popular. Foi um golpe e a Constituição em vigor foi jogada no lixo”, declara o historiador Renato Mocellin, autor de livros didáticos sobre a história brasileira.

Também atesta o golpe o autor de Os Bestializados – A República Que Não Foi, José Murilo de Carvalho, que descreve em sua obra, na qual tece críticas sobre a proclamação, o arranjo militar sem qualquer participação popular. Dois anos depois, em 1891, uma espécie de novo golpe foi aplicado por Deodoro da Fonseca. Para tentar conter a oposição, ele mandou dissolver o Congresso e instaurar o Estado de Sítio no país durante 20 dias.

Para isso, autorizou o Exército a cercar a Câmara e o Senado, além de permitir que prendesse políticos oposicionistas. Poucos dias depois, após uma conspiração militar, renunciou ao cargo. Quem assumiu o posto em novembro daquele ano foi marechal Floriano Peixoto, que – pela lei da época – deveria convocar novas eleições presidenciais, mas optou por se manter no poder e aplicar o que muitos especialistas entendem como um novo golpe político brasileiro.

De acordo com Renato Mocellin, Floriano governou o país de forma arbitrária, combatendo com violência os opositores – motivo pelo qual o fez ganhar o apelido de Marechal de Ferro. “Tivemos em pouco tempo ofensas tremendas aos direitos humanos e o fim da liberdade de imprensa”, ressalta o historiador.   

A revolução de 1930

Na madrugada de 5 de outubro, sob comando do major Plínio Tourinho, os oficiais da Quinta Região Militar tomaram os quartéis de Curitiba, capital do Paraná. O presidente do Estado, Affonso Camargo, chegou a abandonar a cidade em direção ao litoral de Paranaguá. Em poucas horas, a Revolução de 1930 tomou conta do território paranaense e caminhou para o seu desfecho 20 dias depois, com Getúlio Vargas assumindo o cargo de presidente do Brasil.

As tropas revolucionárias que vinham do Rio Grande do Sul atravessaram toda a Região Sul do país até chegar ao Rio de Janeiro, então capital federal. Vários fatores influenciaram o início da revolução, como os impactos da crise econômica de 1929 e da política chamada Café com Leite (a alternância de poder entre políticos mineiros e paulistas), que havia sido quebrada pelo então presidente Washington Luiz.

Na ocasião, o político nascido no Rio de Janeiro teria indicado o paulista Júlio Prestes para concorrer à presidência, desrespeitando o acordo estabelecido entre os estados que previa um candidato mineiro. Com o rompimento da aliança, Minas Gerais passou a articular uma Aliança Liberal com Rio Grande do Sul e Paraíba. E, então, foram indicados como candidatos o governador gaúcho Getúlio Vargas para presidente e o paraibano João Pessoa como vice.

Em pleno carnaval, no dia 1º de março de 1930, Júlio Prestes derrotou Vargas nas urnas com uma diferença de 200 mil votos. A Aliança, contudo, não queria aceitar a derrota. Pipocaram denúncias de irregularidade e trapaças – práticas comuns durante a República Velha. O clima de discórdia, que já estava tenso, ficou ainda pior com o assassinato de João Pessoa, em julho daquele ano. Era o pretexto que faltava para uma revolução eclodir.

Oswaldo Aranha, o então secretário de Governo do Rio Grande do Sul, convocou a população gaúcha a pegar em armas para evitar a posse de Prestes. Suspeitava-se que Pessoa teria sido morto por adversários políticos. Em 3 de outubro, membros da Guarda Civil gaúcha e voluntários tomaram o quartel-general do Exército de Porto Alegre. O movimento, sincronizado, ocorreu em vários pontos do estado.

Tropas rebeldes seguiram em direção a Porto União, entre Paraná e Santa Catarina, e continuaram o percurso até que, em 3 de novembro, Vargas assumiu o Palácio do Catete, decretando o fim da República Velha. “É a partir de Vargas que podemos empregar o termo golpe de Estado na acepção jurídica e política. O termo passa a ser sistematizado de forma mais sistemática com o jurista Carl Schmitt, um teórico conservador alemão que escreve diversos textos sobre o Estado de Exceção”, ensina a professora Marion.

Em 1937, o Estado Novo

Um golpe dentro do golpe. Assim pode ser caracterizado a determinação por decreto do Estado Novo em 1937. Após tomar o poder, por meio da Revolução de 1930, Getúlio Vargas permaneceu como presidente temporário até 1934, quando foi eleito indiretamente após a promulgação de um nova Constituição.

Tancredo Neves em retrato / Crédito: Agência Senado

A partir de então, o medo do comunismo assombrou o mandatário e a alta cúpula do Exército. Em 30 de setembro de 1937, foi divulgado um suposto plano, chamado Cohen, que pretendia implantar uma revolução comunista no Brasil – mais tarde, foi descoberto ser apenas uma mentira para a deflagração do golpe e o início da fase ditatorial de Getúlio Vargas à frente do país.

“O documento foi escrito pelo então coronel Olympio Mourão Filho”, esclarecem Lilia Schwarcz e Heloisa Starling. Cópias impressas da farsa circularam pelos quartéis e os jornais começaram a repercutir o assunto, reacendendo os debates contra o comunismo. “Programas de rádio trovejavam o tema do anticomunismo e a população ficou alvoroçada”, contam as historiadoras. Dois meses depois, o sinal estava verde.

No dia 10 de novembro, Vargas decretou o fechamento do Congresso Nacional, determinou a extinção dos partidos políticos e cancelou as eleições presidenciais que seriam realizadas em janeiro de 1938. O historiador Eduardo Bueno, em seu livro Brasil: Uma História, relata que houve o respaldo jurídico e o apoio dos industriais, militares e trabalhadores para Vargas tornar-se “o primeiro ditador brasileiro a adquirir poderes absolutos”.

Com o golpe de Estado, a ditadura varguista se manteve no poder até 1945. Nesse período, a impressa era alvo de censura e os opositores políticos eram violentamente perseguidos. Ao longo do Estado Novo, Vargas flertou com os governos fascista da Itália e nazista da Alemanha. No entanto, durante a Segunda Guerra, Vargas passou a apoiar os países Aliados (Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética).

Com o fim do conflito e a derrota do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), ficou difícil manter no Brasil um regime autoritário, tendo em vista seu apoio à causa internacional da democracia – inclusive enviando tropas à Europa para combater o nazifascismo. Chegou a se planejar a deposição de Vargas por um golpe planejado pelo Exército, Marinha e Aeronáutica. A situação ficou insustentável e logo no início de 1945 foram marcadas eleições para dezembro. Era o fim do Estado Novo.

Em 1964, o regime militar

Mais de duas décadas sob a égide da ditadura e da repressão. Esse foi o resultado do golpe cívico-militar que derrubou João Goulart da presidência em 1964 e deu início aos 21 anos de Regime Militar no Brasil. Quando o golpe foi deflagrado, o mundo estava dividido entre “direita e esquerda” e passando pelo período da Guerra Fria entre os capitalistas dos Estados Unidos e o socialismo encampado pela União Soviética.

Em terras brasileiras, por ser considerado esquerdista, o então presidente João Goulart foi deposto pelas Forças Armadas. Jango, como era conhecido, defendia diversas reformas de base como a agrária e o aumento salarial no meio urbano.

Quatro anos depois, em 1968, durante o mandato do general Costa e Silva, foi promulgado o Ato Institucional número 5 (AI-5), que intensificou a censura e a repressão e tornou as práticas de torturas, utilizadas especialmente para obter informações das pessoas envolvidas na luta contra o governo de exceção, cada vez mais frequentes e pesadas.

Choques elétricos, pau de arara, afogamentos e estupro passaram a ser rotina nas mãos dos militares. O Golpe de 1964, até o momento, foi o mais repressivo que perdurou no país, conforme atesta Marion Brephol, professora da UFPR. “Do ponto de vista da repressão política, este foi pior que a ditadura de Vargas porque a polícia política era mais equipada”, explica.

Estima-se que 20 mil pessoas foram torturadas durante a ditadura militar no Brasil, segundo levantamento da organização internacional Human Rights Watch (HRW), e pelo menos 434 pessoas foram mortas ou seguem desaparecidas. “Fora a existência da censura, que era extensiva a toda a população e o cerceamento à liberdade de criar”, complementa Marion.

A ditadura militar terminou apenas em 1985 com eleição indireta de Tancredo Neves, que morreu antes de assumir o cargo, levando o vice José Sarney a se tornar o primeiro presidente civil no período da redemocratização do país. “Vejo, ainda hoje, a necessidade de uma história crítica dentro das Forças Armadas para que os militares saibam qual é o papel de cada um dentro da democracia e entendam todo o percurso histórico que nos trouxe até aqui”, avalia o historiador Renato Mocellin.