Normalmente associada às secas da região, a fome que matou mais de 3 milhões na Índia vai contra o que muitos europeus pensam de Churchill
Era 1943. Diversos territórios estavam reféns de enormes conflitos, a Segunda Guerra Mundial não parecia ter fim e os Estados Unidos aumentavam seu poder militar com a inauguração do Pentágono. Tudo parecia estar em movimento, exceto as filas por comida em Bengala.
Centenas de pessoas se alinhavam nas ruas, com cumbucas em mãos, esperando por sua porção de sopa e o quadro só fazia piorar. A Grande Fome de Bengala foi um dos maiores períodos de fome em massa da história — é estimado que entre 3 e 4,5 milhões de pessoas morreram de fome e desnutrição.
A culpa do fenômeno foi jogada de um lado para o outro, ora nas mãos dos britânicos, ora nos braços do clima e das secas. Acontece que ao mesmo tempo em que o território indiano era das principais colônias britânicas durante o século 20, ele também sofria com o clima rigoroso.
Em 1940, por exemplo, 15% de todo o arroz da Índia vinha da Birmânia, outro território que pertencia ao Reino Unido. Tempos depois, toda costa leste de Bengala foi atingida por um ciclone em 1942, obrigando os camponeses a comerem seus estoques. Ou seja, o local vivia à mercê tanto do poder do Estado britânico, quanto da impiedosa mãe natureza.
Nesse sentido, um estudo específico, publicado no começo do ano, tentou solucionar o problema. A partir do solo e da bioclimatologia, as conclusões apontaram que a Grande Fome não teria ocorrido em um período de seca, mas durante uma radicalização do colonialismo britânico.
A pesquisa sugere que, por mais que as primeiras fomes no início no século 19 tenham sido iniciadas por secas naturais, a Grande Fome em Bengala tem origem nas políticas britânicas durante a Segunda Guerra. Isso porque, analisando as informações sobre o clima na época, verificou-se que as chuvas estavam acima da média do mesmo período em outros anos.
De acordo com os pesquisadores, o governo britânico teria adotado políticas de distribuição de alimentos que beneficiavam os soldados do Reino Unido, em detrimento da população. Tudo ficou ainda pior quando o Japão invadiu a Birmânia, reduzindo — e muito — o acesso bengalês aos alimentos.
Estudos mais antigos já apontavam que a fome seria, de fato, resultado de políticas do governo de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico, nos anos 1940. As massivas exportações de alimentos da Índia para a Inglaterra, somando mais de 80.000 toneladas de grãos que saíam da colônia para alimentar as tropas britânicas, são um exemplo.
Assim, outro ponto criticado pelo estudo é a negligência dos britânicos ao não declarar ou reconhecer a crise. Segundo Vimal Mishra, um dos pesquisadores, o povo tentou conter a fome e a desnutrição. O antigo vice-governador de Bengala, Richard Temple, por exemplo, teria iniciado um projeto de distribuição de alimentos e combate à fome na região.
O homem, no entanto, teria sido repreendido pelo governo britânico de Churchill, e o projeto teria sido abandonado. Ou seja, mesmo que existissem políticas ativas de combate à tragédia em desenvolvimento, o governo britânico as brecava, impedindo seu funcionamento — o primeiro-ministro pensava que o problema era irrelevante e que os esforços do governo deveram se concentrar em demandas militares.
Ainda segundo Mishra, o que aconteceu na Bengala de 1943 vai contra o que muitos europeus pensam de Churchill. Visto como grande defensor dos direitos humanos e guardião da liberdade entre os povos do mundo, o primeiro-ministro, na verdade, era xenofóbico e via os indianos como uma raça inferior, que não merecia os esforços britânicos.
Em suas pesquisas, no entanto, Amartya Sen, professor de economia e filosofia na Universidade Harvard, tenta desbancar a ideia de que foram as políticas britânicas que causaram a fome. O pesquisador indiano, que presenciou a crise quando tinha dez anos, aponta que nunca houve falta de arroz em Bengala em 1943 e que a disponibilidade dos grãos era um pouco maior que em 1941, outra época na qual não houve fome em massa.
Sen argumenta que, ao contrário do que o recente estudo mostra, a fome foi inesperada e causou pânico nos produtores e distribuidores. Assim, a inflação dobrou, em meio às demandas da guerra.
Naquele momento, trabalhadores sem terra, pescadores, barbeiros e outros grupos viram o real valor de seus salários sendo cortado em dois terços. Ao mesmo tempo, camponeses donos de terras e empregados na indústria viram seus salários aumentarem.
Em suma, na interpretação de Sem, apesar de Bengala possuir arroz e outros grãos em quantidade suficiente para alimentar sua população, milhões de pessoas repentinamente se tornaram pobres demais para comprá-los. Isso, sim, teria causado a Grande Fome de 1943.
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