Uma entre os três filhos de Rasputin, místico que escandalizou o czarismo, Maria teve "uma vida muito emocionante"
Éric Moreira, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 03/08/2023, às 17h35 - Atualizado em 01/01/2024, às 10h43
Era 21 de janeiro de 1869 quando nasceu, na pequena vila de Pokrovskoye, na Rússia, um homem que marcaria grandemente a história da Rússia: Grigori Yefimovich Rasputin. Apelidado ao longo de sua vida como "o monge louco" da Rússia, ele se tornaria um famoso místico e autoproclamado santo que, entre seus feitos, tornou-se uma figura politicamente influente no final do período imperial.
Fora casado com Praskovya Fyodorovna Dubrovina, com quem teve três filhos: Dmitry, em 1897; Maria, em 1898; e Varvara, em 1900. No entanto, em meio aos acontecimentos históricos e políticos que a família enfrentara na Rússia nos primeiros anos do século XX — como a própria Revolução Russa e morte da família imperial, que era próxima dos Rasputin —, sem mencionar as doenças, a família encontrou seu destino mais cedo do que gostariam, e sempre em meio a grande caos.
O próprio Grigori Rasputin foi assassinado em 30 de dezembro de 1916, aos 47 anos; Praskovya e Dmitry desapareceram nos gulags soviéticos da Sibéria; Varvara morreu em Moscou em 1924 — morte ainda debatida —, mas uma pessoa em particular viveu até a longevidade: Maria.
"Nasci em 1899 na aldeia de Pokrovskoe, no condado de Tobolsk. Meus pais são camponeses, pessoas simples. Nossa família é composta por: pai, mãe, avô (pai do meu pai), meu irmão, irmã e eu. Todos vivemos felizes juntos, mas às vezes fico zangado com meu irmão e minha irmã, mas com minha irmã fico zangado o tempo todo. Meu pai desempenha um papel importante porque o Soberano o conhece e o ama."
Essas foram as palavras utilizadas por Maria Rasputin — nome ocidentalizado de Matryona Grigorievna Rasputina — ao descrever o início de sua história em um diário, escrito ainda em sua adolescência. Embora conhecida principalmente por seu sobrenome, e também por alguns feitos que realizou ao longo de sua vida, teve seus primeiros anos como os mais simples, em uma família de camponeses relativamente abastada.
Sua mãe, conforme descreve o site Atlas Obscura, era uma mulher prática e trabalhadora. Já seu pai possuía mais destaque: era considerado por muitos um místico — o que refletiu em sua criação regada a muitas orações — que viajava pelo país para pregar e reconfortar os mais necessitados.
No entanto, a vida de toda a família mudaria em 1906, quando Grigori Rasputin foi apresentado à família imperial em São Petersburgo, e logo ficaria creditado pela imperatriz Alexandra como salvador de Alexi, o herdeiro do trono russo que sofria de hemofilia — distúrbio que afeta a coagulação sanguínea.
Depois desse evento, o nome de Rasputin finalmente alcançaria a glória pela qual foi amplamente conhecido, e por isso em 1910 a família se separaria: Maria e sua irmã, Varvara, foram até São Petersburgo para viver com o pai, onde se tornaram "pequenas senhoras", figuras relevantes em meio à realeza; já a mãe e o irmão não queriam viver na cidade grande, e permaneceram em Pokrovskoe.
Como Grigori Rasputin se encontrava bastante ocupado, acabou que parte da criação das duas jovens caberia a uma serva da família. "Ela arranjou uma governanta para cuidar de nós e nos levar para passear, e nos ajudou a compensar o tempo perdido, preenchendo as lacunas consideráveis em nossa educação infantil", escreveu Maria Rasputin em seus diários.
Ai! Foi uma tarefa difícil, difícil para ela sem dúvida, mas difícil também para as duas pequenas selvagens que ela tentou transformar em mocinhas!"
Mas para Maria, enquanto cada vez mais gente buscava encontrar-se com seu pai, interessados nas ditas capacidades "místicas" de Rasputin, ele era apenas um homem simples com grande crença no poder das orações. Porém, isso sem nunca deixar de ser um pai rigoroso:
"Nunca tínhamos permissão para sair sozinhos, raramente tínhamos permissão para ir a uma matinê e, mais tarde, quando os jovens começaram a gravitar em torno de nós, ele provou ser o mais rígido dos mentores. Nenhum deles tinha direito a mais de meia hora de tête-à-tête; depois que isso passou, meu pai irrompeu na sala e mostrou a porta ao pobre rapaz. Mas o que não se limitava a meia hora era o tempo dedicado às orações", escreve.
Para Maria Rasputin, uma jovem que foi introduzida a todas as regalias da realeza, a vida nesse período parecia quase um conto de fadas. Ela se tornou amiga das quatro filhas de Nicolau e Alexandra — os últimos líderes da dinastia Romanov —, a quem seu pai exercia cada vez mais influência.
Porém, Rasputin havia desenvolvido grandes problemas com a bebida, sendo visto por muitas pessoas, eventualmente, como um charlatão bêbado, demoníaco e mulherengo, que teria enfeitiçado Alexandra. E em meio a esse caos, em uma Rússia pouco antes do fim do império, emergiram os brutais combates da Primeira Guerra Mundial.
Então, atraído pelo convite a uma festa noturna, Grigori Rasputin foi assassinado na noite de 30 de dezembro de 1916, dentro do Palácio Moika pelo príncipe Felix Yusupov e seus associados. Dias depois, seu corpo foi encontrado congelado no rio Malaya Nevka.
Muitos lugares na pequena capela estavam vazios, pois as multidões que bateram à porta de meu pai enquanto ele ainda estava vivo para pedir algum serviço a ele negligenciaram vir e oferecer uma oração por ele uma vez que ele estava morto", descreveu Maria Rasputin sobre o funeral de seu pai.
Com a chegada da guerra civil, que culminaria na Revolução Russa e morte dos Romanov, Maria e Varvara fugiram para a casa de sua mãe em Pokrovskoe. Em 1917, Maria casou-se com Boris Soloviev — um homem cujo caráter era bastante questionado, mas considerado por muitos uma espécie de sucessor de Rasputin —, com quem viveu os anos seguintes fugindo do Exército Vermelho, vagando de "capital em capital".
Eventualmente, o casal se estabeleceu em Paris, onde cuidou de duas filhas pequenas, Tatiana e Maria. Boris trabalhava como operário de uma fábrica de sabão, porteiro noturno e lavador de carros, até que, em 1926, morreu "desgastado pelas privações e pelo trabalho além de suas forças que aceitou para nos preservar de morrer de fome", de acordo com Maria Rasputin.
Em entrevista ao Los Angeles Times, bem mais velha, Maria Rasputin revelou que nesse período, sozinha com duas filhas, inesperadamente recebeu "uma oferta para ser dançarina de cabaré em Bucareste". Por vários anos, viveu como dançarina pela Europa e, em 1929, publicou seu primeiro livro: 'The Real Rasputin' ('O Verdadeiro Rasputin', em português), onde defendia veementemente a memória de seu pai.
Eventualmente, teria recebido outra proposta de carreira, ainda mais inusitada: treinadora de animais em um circo itinerante. "Me perguntam se eu me importo de ficar numa jaula com animais, e eu respondo: 'Por que não? Estive em uma jaula com bolcheviques", alegou em entrevista, bem-humorada. E em 1932, publicou outro livro sobre Grigori Rasputin: 'My Father' ('Meu Pai', em português).
Em 1935 foi para os Estados Unidos com a equipe do circo onde trabalhava, atraindo bastante atenção ao ser referida como "a filha do monge louco", o conhecido e polêmico Rasputin. Mas foi só dois anos depois, em 1937, que se mudaria definitivamente para o país americano, deixando as filhas na Europa, e abandonando a carreira circense depois de ser atacada por um urso.
Nos Estados Unidos, Maria casou-se com o engenheiro elétrico Gregory Bern, que conheceu ainda na Rússia, mas se divorciaram já em 1946. Então, foi para Silverlake, um bairro de Los Angeles com grande população russa, e começou a trabalhar como maquinista nos estaleiros de San Pedro.
No período da Guerra Fria, quando os Estados Unidos declaravam o comunismo como o inimigo número 1 da nação — e, por consequência, toda a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que derrubaram os Romanov —, surgiram boatos de que Maria Rasputin fosse comunista. Então, contundentemente ela enviou uma carta ao Los Angeles Times em 1948, onde escreveu:
Estou constantemente sendo perseguido e marcado como comunista devido ao meu nome ser Maria Rasputin, filha de Grigori Rasputin, conhecido como o 'Monge Louco da Rússia'. Deixei a Rússia há 28 anos e agora sou um cidadão americano naturalizado, privilégio pelo qual agradeço a Deus todas as noites, pois amo os Estados Unidos da América do fundo do meu coração. Desejo anunciar publicamente que não sou comunista, embora meu nome seja Maria Rasputin, filha de Grigori Rasputin."
Com o tempo, Maria Rasputin se aposentou dos estaleiros, e viveu uma vida tranquila e isolada, frequentando a Igreja Ortodoxa Russa do bairro onde vivia todas as semanas. Era até mesmo conhecida como uma senhora amigável. Ao longo de várias entrevistas que deu nos anos que se seguiram, alguns de seus relatos por vezes se contradiziam; o que nunca mudou foi sua crença de que seu pai tinha sido um bom homem, que encontrou o fim em meio a uma sociedade manipuladora.
Em 1977, publicou seu último livro — 'Rasputin: The Man Behind the Myth' ('Rasputin: O Homem por trás do Mito', em português) —, e morreu pouco depois, em 27 de setembro do mesmo ano, aos 79 anos, e foi enterrada no Cemitério Angelus Rosedale. E uma fala que deu em entrevista ao Los Angeles Times, pouco antes de completar 70 anos, resume bem como foi sua história: "Tenho uma vida muito emocionante."