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Matérias / Dia do Teatro

Dia do Teatro: Os Impactos do capitalismo na cultura e sociedade do século 21

O teatro é uma das manifestações artísticas mais antigas do mundo, mas também se tornou um produto, impulsionado pela cultura do consumo

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
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Publicado em 19/09/2024, às 18h00

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Imagem ilustrativa - Pixabay
Imagem ilustrativa - Pixabay

Neste 19 de setembro é celebrado o Dia Nacional do Teatro, data que tem como objetivo homenagear aquela que é uma das manifestações artísticas mais antigas da história da humanidade. 

Embora tenha surgido no Oriente como forma de rituais, o teatro como arte teve início na Grécia Antiga e só chegou ao Brasil em meados do século 16 — usado para espalhar a crença religiosa 

Símbolo de resistência ou uma forma de demonstrar a cultura de um povo, o teatro, ao longo dos anos, também se tornou uma mercadoria, influenciando pelo capitalismo, que transforma tudo em produto — até mesmo os seres humanos e a própria arte. 

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Capa do livro Teatro à Venda - Divulgação

E é justamente abordando a cultura do consumo que o dramaturgo e Mestre em Comunicação Pedro Tancini publicou o livro 'Teatro à Venda' (Ed. Coletivo Parêntesis de Teatro), onde faz uma reflexão contundente sobre como a mercantilização da arte moldou a cultura contemporânea e suas implicações sociais.

"Objetivamente, não há arte de 'maior qualidade' e arte de 'menor qualidade'. Porém, há arte que propõe a manutenção do sistema e arte que se compromete à emancipação do seu povo", diz Tancini em entrevista exclusiva à Aventuras na História. 

A arte como produto

A arte, que em suas origens foi um produto artesanal e uma expressão da cultura popular, passou por uma transformação significativa a partir da segunda metade do século 19 e primeira metade do século 20. Tancini explica que esse processo se intensificou com a constituição da Indústria Cultural, conforme definido pelos teóricos da Escola de Frankfurt. 

"A arte de componentes artesanais e de conexão com a cultura popular perdeu espaço social para uma arte massificada, sob influência ainda mais aguda da ideologia da elite econômica", aponta. "A Indústria Cultural potencializou os mecanismos de alienação da burguesia contra os trabalhadores. As exceções existem, é claro, mas apenas provam a regra".

A comercialização da cultura também tem gerado uma busca por um ideal de vida cada vez mais única, transformando as utopias em individualidades e sonhos de consumo. "As utopias agora são individuais, tão críveis quanto um comercial de refrigerante", observa. 

Para aceitar esse sistema, é preciso fechar os olhos e tapar os ouvidos para a realidade coletiva à volta, que é brutal. Isso cria uma grande quantidade de pessoas insensibilizadas, e uma outra grande quantidade de pessoas indignadas, mas sem perspectiva de uma realidade social diferente". 

Nesse contexto, a cultura se torna um alívio temporário para a alienação gerada por um sistema que marginaliza muitos em favor do enriquecimento de poucos. "Enquanto isso, o horror sistemático do capitalismo se mantém a todo vapor", salienta.

Arte e a justiça social

Embora muitos vejam o teatro — e a arte, em geral — como forma de resistência ou para combater as injustiças sociais, Tancini aponta que essa nem sempre foi uma característica fundamental da sua natureza. "Nem todo teatro foi ou é uma expressão popular, que visa melhorar as condições de vida de seu povo".

O dramaturgo aponta, porém, que a prática precede o capitalismo e vem desde a Antiguidade, conforme defende Augusto Boal. "Já o teatro comprometido com as questões populares se tornou mais forte quando acompanhou a presença de movimentos sociais com o mesmo compromisso".

O autor e dramaturgo Pedro Tancini - Divulgação

"Apesar de observamos diversos exemplos em que a arte serviu como poderosa força de resistência nos momentos mais terríveis da nossa história, o capitalismo, o imperialismo, o fascismo, sempre são inimigos tanto do seu povo quanto da sua arte e, por isso, os ameaçam e os enfraquecem. Um povo que se mata de trabalhar não faz teatro. Um povo apático porque violentado não se interessa pelo teatro", afirma. 

O Mestre em Comunicação também aponta que é preciso desmistificar a arte, que, apesar de acessar o mundo dos sonhos e de um "sentimento mágico", precisa de materialidade social para existir. "Ou seja, a relação é mútua, a justiça social fortalece a arte e a arte fortalece a justiça social".

A luta de classes e a arte

Tancini destaca a importância da luta de classes na formação de uma arte que possa refletir e desafiar a opressão. Exemplos como o palhaço Benjamin de Oliveira, que enfrentou o racismo, e Oduvaldo Vianna, que se opôs à ditadura, mostram como a arte pode ser um veículo de conscientização e resistência. 

+ Do sofrimento ao circo: A saga de Benjamin de Oliveira, o palhaço negro brasileiro

A arte se mostrou ferramenta poderosa para a emancipação de um povo porque permite que ele reflita sobre a sua própria condição em um âmbito intelectual, mas também sensível". 

Outro ponto debatido pelo dramaturgo é a ostentação ao luxo, às riquezas e objetos de valor, que permeia diversos segmentos culturais contemporâneos, levantando questões sobre o papel da arte na sociedade. Tancini entende que o limite entre a celebração do capitalismo e um 'grito de liberdade' pela conquistarem o luxo que sempre foi negado é difuso. 

O palhaço Benjamin de Oliveira - Arquivo pessoal

"As classes baixas habitam o lugar da exclusão do circuito de consumo enquanto as classes médias habitam o lugar da inclusão neste. As classes baixas, a imensa maioria da população, se ressentem por não acessarem o conforto do mundo moderno. As classes médias são constantemente ameaçadas de perder acesso ao consumo, tendo que existir em uma sociedade extremamente violenta. Enquanto isso, a elite econômica lucra com a miséria das duas classes", diz.

Ele argumenta que a elite econômica lucra com a miséria das duas classes, perpetuando um ciclo de desigualdade. "É um sistema que inventa a sua própria crise porque precisa da miséria do seu povo para explorar e então se manter".

Neste cenário, a arte assume um papel vital na busca por uma sociedade mais igualitária. Tancini defende que a arte é um espaço de reflexão sobre as condições sociais, "não apenas da racionalidade, mas da sensibilidade, do acesso ao inconsciente". 

Por fim, alerta para o fato de que muitos acreditam que o capitalismo é um sistema justo, enquanto outros já perceberam sua verdadeira natureza opressora. "Atualmente, a arte deve buscar, por meio de um convite e um encontro coletivo, desmistificar essas quimeras que habitam o nosso inconsciente social".