Dramaturgo e diretor de teatro, Oduvaldo Vianna Filho renovou a teledramaturgia brasileira e foi símbolo de resistência das artes em um período de repressão
Publicado em 04/07/2021, às 00h00 - Atualizado em 26/10/2022, às 22h17
Lineuzinho, Nenê, Bebel, Tuco e Agostinho Carrara. Com toda certeza esse quinteto já te arrancou algumas gargalhadas quando 'A Grande Família' esteve no ar pela TV Globo. A série, que retrata a vida da família Silva, fez um enorme sucesso nas noites da televisão brasileira durante 14 temporadas.
Porém, o que nem todos devem saber, é que a produção que contava com grandes nomes das artes cênicas, como Marco Nanini, Marieta Severo, Lúcio Mauro Filho, Guta Stresser e Pedro Cardoso é uma readaptação de uma série homônima, que também fez muito sucesso, mas nos anos 1970. A primeira versão de 'A Grande Família' estreou na TV Globo em 26 de outubro de 1972, há exatos 50 anos.
A trama foi criada pelo dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, nascido em 4 de julho de 1936. Além das artes cênicas, o ator e diretor de teatro também foi um importante militante comunista. Conheça sua história!
As artes e a militância política sempre estiveram no sangue de Oduvaldo Vianna Filho, afinal, como explica artigo publicado na revista Opiniões, da USP, seus pais sempre foram engajados nesses assuntos.
Nascido em 4 de julho de 1936, Vianinha, como era chamado desde a infância, era filho do segundo casamento de Oduvaldo Vianna, também dramaturgo, e Doecélia Vianna, importante radionovelista.
Segundo a Funarte, os Vianna sempre tiveram certa simpatia com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), tanto é que antes mesmo de se filiarem oficialmente, cediam sua casa para reunião de alguns membros.
Essa ideologia logo se refletiu na vida de Oduvaldo Filho que, aos 14 anos, quando estudava na Escola Estadual Caetano de Campos, entrou para a União da Juventude Comunista, onde sempre foi muito participativo, tanto é que acabou se tornando presidente da Associação Metropolitana de Estudantes Secundários — e vice da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
Em 1947, quando o PCB foi cassado no governo de Dutra, as reuniões na casa dos Vianna passaram a ser mais frequentes; o local, inclusive, se tornou central do partido e, apesar das limitações, a família nunca deixou a militância.
Como explica Heloisa Pontes e Sergio Miceli em ‘Memória e Utopia na Cena Central’, quando a família se mudou para São Paulo, Vianinha atuou na clandestinidade como secretário-geral da União Paulista dos Estudantes Secundários.
Já aos 17 anos, ingressou na Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, abandonando o curso no terceiro ano, já que decidiu que se dedicaria ao teatro amador. Nas artes, teve papel muito importante, afinal, ao lado de Gianfrancesco Guarnieri, fundou o grupo Teatro Paulista do Estudante, que fazia parte de uma iniciativa do PCB.
Em 1955, estreou como ator numa adaptação de “Rua da Igreja”, do irlandês Lennox Robinson, relembra a Opiniões. O grupo cresceu tanto que foi incorporado pelo Teatro de Arena, um dos mais importantes da época.
Com a chegada de Augusto Boal, que viera recentemente dos Estados Unidos, o grupo marcou época, principalmente após a montagem de “Eles não Usam Black-tie" quando, de acordo com artigo da USP, Oduvaldo chegou a declarar que o teatro nacional passava por uma "fase da conscientização diante de realidade que não pode mais ser ignorada".
Anos depois, em 1962, durante uma temporada no Rio de janeiro, ele ajudou a fundar o Centro Popular de Cultura (CPC), que era ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE) — que teve papel importante contra a repressão da ditadura, instalada após o Golpe de 64.
Neste período, escreveu “A mais-valia vai acabar Edgar” que, segundo a Opiniões, tinha como intenção propor uma reflexão crítica do público, inserindo nas artes cênicas o conceito da mais-valia, um dos pilares do marxismo.
Após o Golpe, o CPC caiu na ilegalidade e o grupo passou a virar um foco de resistência à situação, o que rendeu grande sucesso e influenciou outros meios artísticos. Em dezembro daquele ano, o Centro de Cultura Popular passou a se chamar Grupo Opinião, conforme explica Enciclopédia do Itaú Cultural.
Na década seguinte, Vianinha participou de uma enorme renovação da teledramaturgia brasileira, com a adaptação de grandes clássicos do teatro, entre eles a série americana ‘All in the Family’, adquirida pela Rede Globo.
A narrativa, que retratava o cotidiano bem-humorado de uma família popular, de início, não agradou tanto o público assim, já que eles não se viam representados naquelas situações. Como explica matéria no Memória Globo, da Rede Globo, ‘A Grande Família’ só se popularizou após a inserção da intelectualidade vinculada ao PCB.
Ao lado de Paulo Pontes e Armando Costa, Oduvaldo conseguiu, enfim, fazer com que a Família Silva representasse o cotidiano de uma família brasileira, apesar, é claro, das limitações impostas pela Ditadura da época.
Dois anos depois da estreia do programa, em 16 de julho de 1974, Oduvaldo Vianna Filho morreu, aos 38 anos, vítima de um câncer pulmonar. Já em seu leito de morte, segundo matéria do Estadão, Vianinha conseguiu terminar sua última peça: ‘Rasga Coração’.
A primeira versão de ‘A Grande Família’ estreou em 26 de outubro de 1972, há exatos 50 anos, e ficou no ar até 27 de março de 1975, o que rendeu um total de 112 episódios. Um fato curioso é que, em 22 de dezembro de 1987, a Globo resolveu reunir o elenco original para um especial de Natal.
O episódio contou com algumas participações especiais, entre elas a de Pedro Cardoso, que deu vida a Surrão, um antigo namorado de Bebel. Curiosamente, 14 anos depois, quis o destino que Cardoso interpretasse o icônico Agostinho Carrara na nova versão do programa.
A nova ‘A Grande Família’ estreou em março de 2001, fazendo sucesso por muito mais tempo que a versão original: 14 temporadas — ou 485 episódios. Segundo matéria da Folha, o programa humorístico chegou a ser consolidado como o mais assistido da TV brasileira de seu gênero.
Para se ter ideia, inicialmente, a nova versão teria apenas 12 episódios, sendo uma homenagem à primeira versão, porém, o sucesso estrondoso fez com que o programa, anos depois, como revela o Bastidores da TV, se tornasse uma das quatro produções mais caras da Globo: ao lado do Jornal Nacional, Fantástico e da Novela das nove.
Cada episódio custava para a emissora cerca de 200 mil reais, porém, o programa se pagava tranquilamente, já que um intervalo de 30 segundos na atração custava R$490.000.