Lançado em 1994, O Rei Leão é um dos maiores sucessos da Disney; a obra é, no entanto, acusada de ser um plágio de uma animação japonesa dos anos 1960
Quando se lê a sinopse de um jovem leão que, após perder seu pai tragicamente, retorna à sua terra natal para enfrentar o leão tirano que lhe roubou o trono, é quase impossível não pensar imediatamente em 'O Rei Leão'. No entanto, essa mesma descrição se encaixa perfeitamente em outra história: a de Kimba, o Leão Branco, de Osamu Tezuka.
Lançado em 1994, O Rei Leão marcou uma nova era de ouro para a Disney. O filme foi divulgado como a primeira história "original" do estúdio desde a década de 1970, apesar de muitos notarem paralelos com Hamlet, de Shakespeare.
O longa foi um sucesso absoluto. Porém, enquanto a Disney celebrava, uma controvérsia começava a tomar forma.
Diversos veículos, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior, começaram a publicar matérias questionando a originalidade de O Rei Leão, apontando semelhanças notáveis entre a história de Simba e a de um leão branco chamado Kimba, protagonista de uma famosa série japonesa (exibida entre 1950 e 1954). Sim, até os nomes dos personagens colaboram para aumentar as suspeitas sobre o estúdio americano.
Apesar das evidências, o suposto plágio continua envolto em mistério, com declarações contraditórias que merecem ser revisitadas.
De acordo com o portal Omelete, a história de Kimba começa em novembro de 1950, quando Osamu Tezuka, considerado o "pai do mangá", publicou Jungle Taitei (O Imperador da Selva) na revista Gakudosha.
Inspirado pelo filme Bambi, da Disney, Tezuka imaginou uma narrativa na qual os animais, em vez de temerem os humanos, tentam estabelecer um relacionamento pacífico com eles.
Essa abordagem inovadora foi refletida em seus personagens: em certo ponto do mangá, o jovem leão protagonista faz amizade com um menino chamado Kenichi e encoraja outros animais a se aproximarem dos humanos.
Quem busca no mangá japonês múltiplas semelhanças com O Rei Leão pode se surpreender. As coincidências existem, mas a trama de Jungle Taitei segue um rumo diferente.
No enredo original, o jovem leão Leo é filho de Panja e Eliza. Após a morte de seu pai por caçadores e a captura de sua mãe, Leo recebe de Eliza, pouco antes de ser levada para um zoológico, a missão de retornar à África para reivindicar o trono de seu pai.
Curiosamente, o nome 'Leo' foi alterado no Ocidente porque já estava registrado pela MGM. Assim, o personagem foi renomeado para 'Kimba', uma adaptação de uma palavra suaíli que significa "leão". Coincidentemente, essa mesma palavra em suaíli é... "Simba"!
Apesar das justificativas para os nomes parecidos e das diferenças de contexto entre as histórias, ainda há pontos controversos que levantam dúvidas.
A produção de O Rei Leão começou em 1989, coincidentemente o ano em que Osamu Tezuka faleceu. Durante o desenvolvimento, o filme tinha o título provisório de 'O Rei da Selva'. Na mesma época, Kimba, o Leão Branco já era um fenômeno consolidado, com um anime lançado em 1966 e uma segunda série animada prestes a estrear no horário nobre japonês.
O sucesso da primeira série foi tão grande que ela foi exportada para vários países, incluindo os Estados Unidos, onde fez parte da programação televisiva nos anos 1960. No Brasil, Kimba só chegou na década de 1970.
Quando 'O Rei Leão' estreou, muitas pessoas notaram as semelhanças com Kimba. Além do enredo, cenas como Simba conversando com Mufasa nas nuvens pareciam refletir diretamente momentos do anime. O especialista Frederik Schodt apontou que as coincidências eram impressionantes, e até Os Simpsons satirizaram a situação.
Entretanto, os diretores da Disney, Rob Minkoff e Roger Allers, negaram qualquer influência de Kimba. Curiosamente, Allers havia trabalhado no Japão na década de 1980, durante a exibição de uma nova versão do anime, o que torna difícil acreditar que ele nunca tenha tido contato com a obra.
Até o dublador de Simba, Matthew Broderick, achou que tinha sido contratado para trabalhar em uma nova adaptação de Kimba, que assistia quando criança.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde O Rei Leão foi um estrondoso sucesso, a recepção do filme no Japão foi bem mais fria. No país, as obras de Osamu Tezuka são consideradas um verdadeiro patrimônio cultural, e o lançamento da animação da Disney gerou indignação em alguns círculos.
A autora de mangás Machiko Satonaka, por exemplo, enviou uma carta aberta a diversos veículos japoneses e americanos, denunciando o que considerava plágio da obra de Tezuka. No fim do desabafo, ela sugeria que a Disney ao menos incluísse um aviso no início do filme, reconhecendo que se tratava de uma homenagem ao lendário autor japonês.
A Tezuka Productions, no entanto, optou por outro caminho. Takayuki Matsutani, presidente do estúdio, declarou que, se estivesse vivo, o mangaká se sentiria honrado pelas semelhanças, já que era grande admirador da Disney.
Vale lembrar, inclusive, que diversas características de suas criações foram inspiradas pelas animações americanas. Um exemplo notável são os olhos expressivos de seus personagens, influenciados pelo design do Mickey Mouse.
Em vez de entrar com um processo, nós ficamos muito felizes de saber que pessoas da Disney viram o trabalho do Tezuka", disse Matsutani ao jornal The Baltimore Sun. Ele também encerrou o debate afirmando que O Rei Leão e Kimba, o Leão Branco eram obras diferentes.
Curiosamente, a Tezuka Productions planejava lançar um longa-metragem de Kimba em 1989, o mesmo ano da morte de Tezuka e do início da produção de O Rei Leão. No entanto, dificuldades financeiras atrasaram o projeto, que só foi concluído em 1997, sob o título 'O Imperador da Selva – O Filme'. O lançamento foi um sucesso nos cinemas japoneses.
Nos Estados Unidos, o filme só chegou em 2003, rebatizado como Tezuka Osamu’s Jungle Emperor Leo, em um momento em que a animação japonesa começava a ganhar mais popularidade no país.
A capa do longa traz um detalhe intrigante: uma cena de Kimba conversando com seu pai nas nuvens, exatamente a mesma imagem que muitos acusam a Disney de ter copiado.