Trajetória da rainha do cangaço é detalhada na minissérie 'Maria e o Cangaço', que estreou no Disney+; mas como era a vida de Maria Bonita?
'Maria e o Cangaço' estreou no catálogo da Disney+ na última sexta-feira, 4. A minissérie brasileira resgata a história de Maria Bonita que ao lado de seu marido, Lampião, se tornou uma lenda do sertão nordestino.
A produção é uma adaptação do livro 'Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço', onde a jornalista e autora Adriana Negreiros foca na figura de Maria Bonita como mãe e mulher — uma visão além do cangaço.
'Maria e o Cangaço' mostra os dilemas da personagem entre seguir com a vida de uma fora da lei e a vontade de construir uma família após descobrir sua gravidez. Mas como era a vida de Maria Bonita no cangaço?
No sertão, a vida feminina era rigidamente definida pelo casamento e pelas tarefas domésticas, sem oportunidades de crescimento pessoal. Desde cedo, as meninas eram preparadas para a vida conjugal, passando diretamente do domínio paterno para o do marido.
Segundo o livro "Bonita Maria do Capitão", de Germana Gonçalves de Araújo e Vera Ferreira, para muitas, o cangaço surgiu como uma possibilidade de fuga dessa monotonia, alimentando fantasias de aventura e riqueza. No entanto, a realidade dentro dos bandos era marcada por regras severas e violência extrema.
As mulheres só podiam ingressar se fossem companheiras de cangaceiros e, caso ficassem viúvas, precisavam rapidamente encontrar outro parceiro para garantir proteção. Do contrário, eram eliminadas. Além disso, enfrentavam abusos tanto por parte dos próprios cangaceiros quanto da polícia, sem qualquer possibilidade de denúncia ou amparo.
Foi nesse cenário que Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita, se tornou pioneira ao integrar o cangaço. Nascida em 8 de março de 1911, em Malhada da Caiçara, Bahia, era filha de José Gomes de Oliveira e Maria Joaquina Conceição Oliveira.
Conforme conta o livro 'Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço', da jornalista Adriana Negreiros, ela era "morena clara, tinha cabelo e olhos castanhos, nariz afilado, lábios finos, 1,56 metro de altura, um par de coxas grossas (...) um certo achatamento da região glútea e os pés grandes e esparramados".
Casou-se aos 15 anos com o sapateiro Zé de Nenê, mas o casamento conturbado levou a frequentes separações. "Maria podia passar incontáveis noites longe de casa (quando o marido a traía) — muitas vezes depois de enfrentar a fúria dele, que, aborrecido com os protestos da esposa, tentava lhe calar com tapas e socos", escreve Negreiros.
Durante essas crises, ela frequentemente retornava à casa dos pais em busca de refúgio e apoio. Foi em uma dessas ocasiões que conheceu Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. A paixão foi imediata e, desafiando as normas sociais da época, decidiu abandonar o marido e seguir no cangaço.
No ambiente cangaceiro, era chamada de Maria do Capitão ou Dona Maria. Há diversas versões sobre a origem do apelido "Bonita", incluindo a possibilidade de ter surgido da tradução de um termo francês em um folheto de cordel.
Sua presença no bando de Lampiãoabriu caminho para outras mulheres, mas a vida ao lado do líder exigia coragem e resistência. Apesar das dificuldades, Maria Bonita se adaptou à dura realidade do cangaço, tornando-se uma figura carismática e respeitada.
Segundo Negreiros, o sexo no cangaço era raro e cercado por superstições. Nunca acontecia às sextas-feiras ou em vésperas de mudança de esconderijo, por exemplo. E, quando ocorriam relações, "em respeito ao Pai Eterno, os cangaceiros tiravam do pescoço os colares com saquinhos de orações".
Apesar da escassez de água, uma pequena quantidade era reservada para os banhos íntimos das mulheres, enquanto os homens muitas vezes não se higienizavam e transmitiam doenças venéreas adquiridas em cabarés.
Ao que consta, Maria Bonitanunca sofreu violência de Lampião. No entanto, o cangaceiro violentou muitas meninas. Negreiros conta que ele "tinha intenso prazer (....) de estuprar uma mulher, enquanto ela chorava". Ele e seu bando costumam fazer estupros coletivos e, na avaliação deles, "porque as mulheres queriam".
Maria Bonita e Lampião chegaram a ter uma filha, Expedita, nascida em setembro de 1931. Dias após o parto, a menina foi entregue a um casal de vaqueiros em Sergipe. Há relatos de que Lampião, incomodado com o choro da criança, chegou a cogitar matá-la. Todas as cangaceiras eram obrigadas a entregar seus bebês ainda recém-nascidos, geralmente a fazendeiros, juízes ou padres.
Maria exibia algumas das joias mais caras que já circularam pelo sertão: "Em volta do pescoço, exibia sete correntes de ouro (que pertenceram a uma baronesa alagoana, cuja casa fora assaltada por Lampião)".
"As mãos traziam anéis em quase todos os dedos. Reluzentes brincos de ouro faziam conjunto com um broche do mesmo material, fixado ao tecido da vestimenta ou à jabiraca, o lenço de seda usado junto aos colares", conta Negreiros.
O cabelo ficava protegido por chapéus de feltro enfeitados com moedas, botões e medalhas de ouro. Carregava um punhal de 32 centímetros, feito de prata, marfim e ônix, um binóculo alemão e se perfumava com Fleurs d'Amour, da marca francesa Roger & Gallet. Empunhava um revólver Colt calibre 38 e, no bornal, levava maquiagem, sabonete e perfume.
O fim de Maria Bonita foi brutal. Ela foi executada sem possibilidade de defesa durante uma emboscada policial. Além de ser alvejada, teve a cabeça decepada ainda em vida. Seu corpo teria sido "abandonado com as pernas abertas e um pedaço de madeira enfiado na vagina", conta o livro.
Sua morte, porém, não apagou sua história. Pelo contrário, consolidou sua imagem como um ícone da cultura popular brasileira, eternizando seu nome para além do anonimato reservado a tantas outras mulheres do sertão.