Livros "peludos" dos séculos 12 e 13 encontrados em mosteiros europeus revelaram encadernação com pele de foca de comerciantes nórdicos; confira!
Publicado em 09/04/2025, às 12h35
Recentemente, pesquisadores que, na Europa medieval, alguns livros artesanais eram encadernados por monges com uma fonte até então inesperada: pele de foca. O estudo foi publicado nesta quarta-feira, 9, no periódico Royal Society Open Science.
Para os resultados, os pesquisadores submeteram 32 livros medievais a análises biocodicológicas, buscando revelar informações biológicas preservadas neles. Foram observados exemplares encontrados em diferentes abadias europeias.
Os códices medievais, conforme repercute o Live Science, eram escritos em pedaços de pergaminho feitos de pele de animal, unidos com madeira, couro, corda ou linha. Havia alguns que inclusive recebiam uma segunda capa protetora, chamada de camisa, frequentemente feita de pele de javali ou veado — animais comuns nessas regiões — e, conforme mostra o novo estudo, em alguns casos até de foca.
Os pesquisadores começaram a investigação observando 19 livros criados entre 1140 e 1275, que estavam localizados na Biblioteca da Abadia de Clairvaux, em Champagne, França, lar de 1.450 livros medievais produzidos por escribas desta que era uma abadia cisterciense — uma antiga ordem religiosa conhecida pelos monges cistercienses, também conhecidos como "monges brancos", devido à cor de suas vestes.
Os exemplares foram submetidos a uma espectrometria de massa, técnica que permite revelar a composição química do objeto, e uma análise de DNA antigo. E foi confirmado que todos eles eram encadernados com pele de pinípedes, um grupo de mamíferos aquáticos que inclui focas, leões-marinhos, lobos-marinhos e morsas.
Posteriormente, também foram identificados mais 13 "livros peludos" em outras "abadias filhas" de cistercienses, localizadas pela França, Inglaterra e Bélgica, que eram datados entre 1150 e 1250, e também encadernados em pele de foca.
Após a análise de DNA, os pesquisadores identificaram que oito das peles eram provenientes de focas-comuns, focas-da-groenlândia e focar-barbudas. Também foi determinado que elas vinham de uma área surpreendentemente diversa, que inclui Escandinávia, Dinamarca, Escócia e Groenlândia ou Islândia.
As peles foram obtidas por meio de comércio ou como parte do dízimo da igreja", afirma Élodie Lévêque, especialista em conservação de livros da Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne e principal autora do estudo, ao Live Science. "É duvidoso que essas encadernações existissem sem a disponibilidade de peles de foca de fontes nórdicas".
O estudo destaca que todos os livros de pele de foca eram feitos em abadias que se encontravam justamente ao longo de conhecidas rotas comerciais europeias do século 13, que também eram rotas nórdicas.
Em especial, os nórdicos eram comerciantes de marfim e peles de morsa da Groenlândia para a Europa continental, e alguns registros históricos também sugerem que eles pagavam dízimos à Igreja Católica na época com peles de foca.
"Os cistercienses tinham uma preferência particular por formas brancas e discretas de luxo, o que combinava bem com as qualidades estéticas da pele de foca", pontua Lévêque ao Live Science. Enquanto isso, outras ordens conhecidas, como os beneditinos, preferiam adotar tons mais escuros.
Porém, a pesquisadora pontua que talvez os monges sequer soubessem que as peles que usavam para encadernação eram de focas, visto que nem mesmo havia um termo para o animal na língua francesa, na época.
A descoberta do uso de pele de focas em bibliotecas medievais desafiou suposições anteriores sobre as espécies que eram utilizadas para a encadernação, segundo os pesquisadores no estudo, mas também revelou que a rede comercial entre nórdicos da Groenlândia e as abadias francesas era surpreendentemente extensa e robusta.
Porém, ainda não há qualquer certeza sobre uma correlação entre o conteúdo real dos livros e o uso de capas de pele de foca, visto que não sobrou nenhuma explicação escrita para justificar o uso.
"As distintas encadernações brancas e peludas podem, portanto, ter sido apreciadas apenas por suas qualidades visuais e ambientais — são à prova d'água — e não por qualquer conhecimento de sua origem zoológica e geográfica", conclui Lévêque.