Uma simples tábua de argila com registros administrativos pode conter um dos marcos mais importantes da história da humanidade; entenda!
Uma tábua de argila com registros administrativos pode esconder um dos registros mais importantes da história da humanidade: a primeira assinatura conhecida.
Datada de cerca de 3.100 a 3.000 a.C ., a peça foi encontrada na antiga cidade suméria de Uruk, na Mesopotâmia — território que hoje corresponde ao sul do Iraque — e registra a produção e distribuição de cerveja em um templo dedicado à deusa Inanna.
“A tábua mostra todo o processo industrial de fabricação da cerveja: de uma espiga de cevada ou milho até uma construção de tijolos com chaminé, possivelmente a própria cervejaria, e por fim a cevada ou milho dentro de um jarro, simbolizando a cerveja finalizada. Os pontos e demais marcas provavelmente representam quantidades — o que indica que a produção era vasta, com cerca de 134.813 litros de cevada entregues ao longo de três anos (37 meses)”, afirma o site da casa de leilões Bloomsbury Auctions.
Mas o que torna o artefato único não é apenas o conteúdo, e sim dois símbolos cuneiformes inscritos no canto superior esquerdo: “KU” e “SIM”, interpretados por especialistas como o nome “Kushim”.
A inscrição tem sido amplamente reconhecida como o mais antigo exemplo de um nome pessoal registrado por escrito. Isso indicaria, segundo os pesquisadores, não apenas o nascimento da escrita como ferramenta administrativa, mas também o surgimento de uma noção de identidade individual.
Alguns estudiosos defendem que “Kushim” era um escriba a serviço do governo, responsável por registrar o controle de grãos usados para a fabricação de cerveja — alimento básico e valioso na cultura suméria.
Outros consideram a hipótese de que se tratasse de um título oficial, e não de um nome próprio. O fato é que o mesmo nome aparece em pelo menos outras 17 tábuas, algumas delas referindo-se ao cargo de “Sanga”, administrador do templo.
A peça, com apenas 7,6 por 7,6 centímetros, pertenceu à Coleção Schøyen, uma das maiores coleções privadas de manuscritos e tábuas da Antiguidade. Em 2020, foi leiloada em Londres por US$ 235 mil (cerca de R$ 1,4 milhão) a um colecionador norte-americano.
Segundo o livro "Uma História Natural da Cerveja", de Rob Desalle e Ian Tattersall, na antiga civilização suméria, a cerveja era mais do que uma simples bebida: era um pilar da vida social, econômica, religiosa e até sanitária.
Em uma época em que a água potável era escassa e muitas vezes contaminada, a cerveja se tornou a alternativa mais segura para matar a sede da população.
Na planície pantanosa da Mesopotâmia, superpovoada por pessoas e por um número ainda maior de animais domésticos, havia poucas fontes de água potável confiável nos tempos sumérios. Isso significava que, se você não podia pagar pelo vinho — disponível apenas para poucos privilegiados —, a opção mais segura era beber a bebida de Ninkasi. E assim foi na maioria dos lugares, durante a maior parte da história registrada", diz o livro.
A cerveja também tinha uma função social clara. "Era consumida tanto por humildes trabalhadores rurais quanto por nobres — os plebeus usando canudos de junco simples, os nobres com tubos elaborados de ouro, bronze, lápis-lazúli ou prata", acrescentam os autores. Essa partilha reforçava vínculos sociais e era comum até mesmo em eventos de Estado.
Outras tábuas registradas foram encontradas na Suméria e reforçam a presença marcante dessa cultura. Uma delas, de cerca de 3.000 a.C., mostra pessoas bebendo cerveja com longos canudos em potes comunitários.
Além disso, a cerveja era um instrumento de redistribuição de riqueza: os grãos recebidos como imposto nos templos eram convertidos em cerveja e pão pelas sacerdotisas, e então distribuídos como forma de pagamento.
Trabalhadores comuns recebiam cerca de um litro por dia, enquanto funcionários de alto escalão podiam receber até cinco litros. A cerveja, de curta duração, precisava ser consumida rapidamente, o que favorecia sua circulação constante dentro da sociedade.