Kate Brown, do MIT, fez um extenso trabalho para compreender as proporções do alcance do acidente na vida das pessoas. Os dados são, no mínimo, assustadores
O interesse em compreender os impactos que a explosão do reator nuclear de Chernobyl causou nas regiões ao entorno da cidade, principalmente o singular caso de Chernihiv, onde diversas produtoras de lã sofreram danos de saúde repentinos, levou Kate Brown, do MIT, a realizar uma importante pesquisa para balancear os dados referentes a esse desventurado evento ocorrido em 1986.
A pesquisa envolveu a análise de arquivos e consulta em diversas pessoas da Ucrânia, na Bielorrúsia e na Rússia, incluindo sobreviventes do acidente e médicos. As informações levantadas pela pesquisadora, indicam que os dados oficiais de mortes causados pelo acidente em Chernobyl (31 pessoas), ou mesmo o levantamento divulgado pela ONU (50) são insuficientes. Ainda é afirmando que 4 mil pessoas morreram como resultado da radiação da usina.
No entanto, os dados de Brown são alarmantes. "Quando visitei a fábrica de lã em Chernihiv, conheci algumas das mulheres que estavam trabalhando na época", diz ela. "Havia apenas 10 dessas mulheres ainda presentes. [...] Em maio de 1986, a fábrica estava adquirindo lã que tinha radiação de até 30 Sv/hr. Os fardos de lã que as mulheres carregavam eram como abraçar uma máquina de raios X ligada”, já aponta.
Aparentemente, as pessoas comuns que viviam nas regiões próximas à área de isolamento criada pela URSS continuaram a ser expostas ao material radioativo liberado na explosão. As mulheres contatadas por Brown apontaram diversas marcas de envelhecimento precoce no corpo, além de problemas de saúde.
Mesmo as equipes responsáveis pelo controle e contenção dos efeitos do desastre, ou seja, a limpeza da região do núcleo da explosão – os Liquidantes, em referência a uma fala do governo soviético – tiveram efeitos tenebrosos após contato com o centro da radiação. Entre os 600 mil – dos registros oficiais – e os 830 mil – dado divulgado pela Academia Russa de Ciências – que participaram dessas equipes, estima-se que 15% morreu antes de 2005.
Na Ucrânia, por exemplo, foi registrada uma taxa de 17,5 mortes por mil pessoas entre os anos de 1988 e 2012, no tocante aos Liquidantes. Ao mesmo tempo, enquanto que, em 1988, 68% eram aptos ao trabalho, em 2014, apenas 5,5% podiam ser considerados saudáveis. Enquanto isso, 63% sofria com doenças no coração e no sangue.
Em relação aos habitantes das regiões ao redor de Chernobyl, como Pripyat, existe o relato de que se demorou mais de 36 horas para que fossem completamente evacuados da região de radiação crítica. No total, foram 200.000 dessas pessoas deslocadas de suas casas, sendo que mais de 3.600 delas morreram entre 2008 e 2012, após uma curva ascendente de número de óbitos no passar dos anos.
"Em hospitais daquela região, e mesmo nos distantes como o de Moscou, as pessoas estavam repletas de sintomas agudos. Os registros indicam que pelo menos 40 mil pessoas foram hospitalizadas no verão após o acidente, muitas delas mulheres e crianças”, colocou Brown após ter seus dados questionados por órgão da ONU, que apontou falha na relação entre a radiação e os problemas de saúde na metodologia da pesquisa.
Em termos de dados gerais, o Centro Nacional de Pesquisa Médica de Radiação, que atualmente admite as proporções colossais da tragédia em Chernobyl, estima que, pelo menos, 5 milhões de cidadãos soviéticos (entre eles 3 milhões de ucranianos) podem ter sido afetados diretamente pelo desastre de 1986. Atualmente, 36.525 viúvas de vítimas do acidente recebem pensão do governo da Ucrânia.
Ao mesmo tempo em que o número oficial de vítimas do acidente na Ucrânia venha decaindo (provavelmente por conta da imigração), relata-se que a mortalidade nas regiões atingidas pela radiação vem progressivamente aumentando. O pico desse fenômeno ocorreu em 2007, quando houve uma proporção de 26 mortos a cada 1.000 habitantes.
No total, cerca de 150.000 km² da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia estão contaminados, enquanto a Zona de Exclusão é totalmente desabitada por seres humanos (proporcionando a revitalização da vida natural). Entretanto, todo o Hemisfério Norte foi atingido, desde 1986, com a precipitação radioativa levada na atmosfera.
O extenso trabalho de ponderação dos efeitos de Chernobyl foi editado numa obra chamada Manual de Sobrevivência: Um Guia de Chernobyl para o Futuro, de Kate Brown. A autora ainda estabelece alguns outros fatores de acréscimo nos efeitos mórbidos do acidente.
Por exemplo, as taxas de suicídio entre os Liquidantes da usina são bem maiores que as gerais na Ucrânia. Ao mesmo tempo, na população que sofreu com os deslocamentos da Zona de Isolamento, houve um aumento significativo na dependência de álcool, além do acirramento da dificuldade em manter a saúde mental.
Outro fator relevante, ainda pouco contabilizado, é o fato de que muitos produtos alimentícios como leite, carne e legumes carregaram a radiação centralizada na Ucrânia aos pratos de muitos cidadãos do Leste Europeu.
Os níveis de radiação contidos nos alimentos foram relatados e expostos pelo governo soviético, que realizava procedimentos para tornar a comida consumível, mas o contato com o alimento radioativo ainda é um fator que deve ser considerado.