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Vítor Soares / Inteligência Artificial

Como a ascensão da IA se compara ao movimento ludista do século 20?

Em sua coluna no Aventuras na História, o professor Vítor Soares faz uma comparação curiosa ao sugerir uma conexão entre o ludismo e o avanço das IAs

Vítor Soares, professor de História Publicado em 01/04/2025, às 19h40

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Gravura representando Ned Ludd, idealizador do Ludismo - Getty Images
Gravura representando Ned Ludd, idealizador do Ludismo - Getty Images

Tenho observado com atenção o avanço das inteligências artificiais, especialmente no campo da criação artística. Desenhos gerados por IA estão cada vez mais sofisticados, às vezes indistinguíveis dos produzidos por mãos humanas.

Ao mesmo tempo, tenho acompanhado a resposta dos artistas. Muitos estão se manifestando contra essa nova realidade.

Esse tipo de reação não é novidade na história. Sempre que uma nova tecnologia ameaça transformar profundamente alguma profissão, especialmente aquelas ligadas à arte, há resistência.

Ao longo da história...

Quando o cinema ganhou som, por exemplo, os músicos que tocavam ao vivo nas sessões dos filmes mudos protestaram. Eles viam ali não apenas a perda de empregos, mas também o fim de uma forma de arte

Outro caso emblemático foi o surgimento da fotografia no século XIX. Muitos pintores de retrato viram sua profissão se esvaziar da noite para o dia. Por que alguém contrataria um artista para pintar um rosto se uma máquina poderia capturá-lo em segundos?

Hoje, os artistas que se posicionam contra a ascensão da IA lembram, em muitos aspectos, o movimento ludista do século XIX. Os ludistas foram trabalhadores ingleses que, durante a Revolução Industrial, passaram a destruir máquinas nas fábricas. Eles não estavam contra a tecnologia em si, mas sim contra o uso que estava sendo feito dela.

O que combatiam era a substituição da mão de obra qualificada por um sistema que priorizava a produção em massa e os lucros acima das pessoas. Eles quebravam as máquinas, mas não queriam acabar com a Revolução Industrial.

Muitos dos ludistas eram artesãos experientes, com grande domínio técnico de seus ofícios. O que os revoltava era ver esse conhecimento ser descartado.

E aqui entra um ponto que pouca gente comenta. Pouco se fala sobre as contribuições dos ludistas. Mesmo sem lutarem diretamente por direitos trabalhistas da forma como conhecemos hoje, os ludistas protagonizaram uma das primeiras formas organizadas de resistência da classe trabalhadora contra os abusos do sistema industrial. 

Essa resistência ajudou a abrir espaço para debates fundamentais. Mostrou que os trabalhadores não estavam passivos diante das mudanças, colocou pressão sobre patrões e sobre o governo e inspirou movimentos que viriam depois, mais organizados, como os sindicatos e as greves operárias do final do século XIX, que então passaram a reivindicar jornadas de oito horas, melhores salários e leis que protegessem o trabalhador.

Os ludistas não conquistaram esses direitos diretamente, mas ajudaram a criar o ambiente necessário para que, décadas depois, essas conquistas fossem possíveis. Tão importante quanto reconhecer que o avanço tecnológico é inevitável, é entender que a forma como esse avanço ocorre pode, sim, ser influenciada. 

Quando artistas se posicionam publicamente, não estão apenas lutando contra a IA. Estão mostrando que são uma classe ativa, com consciência e com voz na construção desse novo tempo que estamos atravessando.

A inteligência artificial deveria nos libertar. Ela deveria reduzir nossa carga de trabalho, nos dar mais tempo para o lazer, para a arte, para estarmos com quem amamos. Mas o sistema capitalista, da forma como está estruturado, transforma essa promessa em ameaça. Em vez de sonharmos com um futuro mais leve, temos medo de perder nossos empregos.

Os artistas, enquanto classe, estão diante de um momento decisivo. Um momento de tudo ou nada. Podem ser engolidos pelas mudanças ou podem, como os ludistas, marcar sua posição. Podem resistir, influenciar, provocar debate. Não se trata de frear o futuro. Trata-se de garantir que, quando ele chegar, a humanidade ainda esteja no centro dele.