Entenda o que foi a peste negra, doença que matou milhões de pessoas na Europa, Ásia e norte da África durante a Idade Média
A Peste Negra foi uma das pandemias mais devastadoras da história da humanidade, ocorrendo entre os anos de 1347 e 1351. Estima-se que ela tenha causado a morte de até 75 milhões de pessoas na Europa, na Ásia e no norte da África — o que representava, na época, cerca de um terço da população europeia. Mas para entender como isso foi possível, precisamos olhar para o contexto da Idade Média, especialmente o modo de vida, as condições sanitárias e a forma como as pessoas se relacionavam com o mundo ao seu redor.
Naquele momento, a Europa era majoritariamente rural e funcionava sob o sistema feudal. A terra era a principal fonte de riqueza, e a sociedade estava dividida em estamentos: nobreza, clero e servos. Não havia mobilidade social — um servo nascia e morria servo. O poder político era descentralizado, com senhores feudais mandando em seus próprios territórios e reis com pouca autoridade real. A Igreja Católica tinha um papel central, tanto na fé quanto na economia e cultura, sendo uma das instituições mais poderosas do período.
Foi nesse cenário que a peste surgiu e se espalhou. A origem da doença está ligada à bactéria Yersinia pestis, provavelmente vinda das planícies da Ásia Central, transmitida por pulgas que viviam em ratos. Por muito tempo, surtos da doença ficaram restritos a certas regiões, mas o aumento do comércio entre Europa e Ásia — especialmente pela Rota da Seda — fez com que a peste encontrasse caminhos para se espalhar.
O porto de Kaffa, na Crimeia, foi um dos principais pontos de entrada da Peste na Europa. Em 1346, soldados mongóis sitiaram a cidade e, acometidos pela peste, lançaram cadáveres infectados para dentro dos muros — um dos primeiros registros de guerra biológica. Comerciantes genoveses fugiram da cidade levando a doença em seus navios, que rapidamente a espalharam por portos do Mediterrâneo. Messina, Gênova, Veneza e depois o resto da Europa foram atingidos em sequência.
A peste se manifestava em três formas principais:
Bubônica, a mais comum, causava febre, calafrios e bubões (inchaços dolorosos nos gânglios linfáticos);
Septicêmica, mais rara, atacava diretamente o sangue e causava manchas escuras na pele;
Pneumônica, a mais contagiosa, afetava os pulmões e podia ser transmitida de pessoa para pessoa.
A medicina da época não compreendia as causas reais da doença. Acreditava-se que era provocada por “ares corrompidos” (miasmas), punição divina ou influências astrológicas. Máscaras com bicos cheios de ervas, sangrias e amuletos eram usados como formas de tratamento ou proteção, mas sem qualquer eficácia.
O impacto da Peste Negra foi catastrófico. Cidades inteiras foram dizimadas, famílias abandonaram seus doentes, e o medo do contágio levou a reações violentas. Judeus, leprosos e outros grupos marginalizados foram perseguidos e acusados de envenenar poços ou espalhar a doença. O caos social foi tanto que autoridades tentaram medidas emergenciais como quarentenas, remoção de cadáveres e construção de hospitais improvisados, mas a falta de conhecimento dificultava qualquer controle.
Além das mortes, a Peste Negra provocou profundas transformações sociais. A escassez de mão de obra gerou aumento nos salários e desorganizou a economia feudal. Culturalmente, a pandemia marcou o imaginário medieval com temas sombrios e uma percepção mais próxima da morte, visível em obras como o Decameron de Boccaccio e nas famosas representações da "Dança da Morte".
A Peste Negra não foi apenas uma tragédia sanitária. Ela desestabilizou estruturas sociais milenares, enfraqueceu o feudalismo e preparou o terreno para as grandes transformações da Baixa Idade Média e do Renascimento. Foi, ao mesmo tempo, um fim e um recomeço — cruel, traumático, mas decisivo para a história da humanidade.