Com mais de 3 mil anos de idade, o elaborado ritual contava com passos minuciosos, inspirados nas características do deserto
Para os afortunados do Egito Antigo, a ideia de seus corpos serem sepultados em um buraco no chão era basicamente impossível. Por lá, acreditava-se no ka, uma força que continuava após a morte — desde que o corpo fosse bem conservado.
Para isso, usava-se uma técnica minuciosa, inspirada no deserto. Após observar que a areia quente e o ar seco preservavam os mortos, os egípcios criaram um método de dissecação e mumificação acompanhado de um ritual religioso.
As primeiras múmias conhecidas são de 3000 a.C. Privilégio dos monarcas, demorou 800 anos até que o processo se estendesse a qualquer um que pudesse pagar. E nem só humanos eram mumificados. Em janeiro de 2020, cães foram encontrados em El Faiyum, um oásis a 80 quilômetros do Cairo. “Era uma forma de homenagear animais de estimação”, explica o historiador Julio Gralha, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
As últimas múmias são do século 4 d.C.. A influência romana e o avanço do cristianismo podem ter encerrado a prática. Confira o passo a passo da mumificação:
O corpo era levado para tendas ao ar livre, em um lugar chamado Ibu (local de purificação), na margem oeste do rio Nilo, onde ficavam os cemitérios. Ali, o cadáver era entregue a sacerdotes. Em uma mesa inclinada para coletar fluidos, então, era lavado com vinho de palma e água do rio.
O sacerdote Ut removia os órgãos por um corte do lado esquerdo do abdômen. Ao fim do procedimento só sobrava o coração. Pulmões, intestinos, estômago e fígado, por outro lado, eram colocados em recipientes especiais. O resto dos tecidos era jogado no rio Nilo — incluindo o cérebro, que era retirado pelas narinas.
Os órgãos mais importantes eram armazenados em vasos. Eles representavam os quatro filhos de Hórus, deus dos céus: Duamutef (cachorro) cuidava do estômago; Qebehsenuf (falcão), dos intestinos; Hapi (babuíno), dos pulmões; e Amset (humano), do fígado.
Com o cadáver livre das vísceras, começava o processo de desidratação, feito com natrão, um tipo de sal mineral muito comum na região. O corpo era preenchido e envolvido com esse sal e permanecia assim por 40 dias.
Após a desidratação, havia nova lavagem com água do Nilo e aplicação de substâncias aromáticas e óleos para aumentar a elasticidade da pele. Para não ficar deformado, o corpo era recheado com serragem e plantas secas. Só então recebia até 20 camadas de tiras de linho engomado.
A sequência para enrolar o linho começava pela cabeça, continuava pelas mãos (a direita primeiro) e depois pelos pés (na mesma ordem). O sacerdote Hery-Seshta usa uma máscara de Anúbis, deus dos mortos. As bandagens recebiam resina líquida que as mantinha unidas. Enfaixada e protegida, a múmia era devolvida à família e sepultada.