O Partido de Hitler era o Nacional Socialista dos Trabalhadores. Por que os maiores inimigos dos socialistas adotaram o mesmo nome?
Grande parte da internet brasileira se manifesta diariamente se perguntando: “Como assim, ultradireita? Nazismo era de esquerda!”.
Ninguém (exceto neonazistas) quer ver Hitler em seu barco. “Nazismo era de esquerda” é uma ideia popular entre autoproclamados direitistas. O argumento central é que a verdade está no nome do partido de Hitler: Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. E que fez um governo que ampliou o tamanho do Estado.
Que socialismo é esse?
Como fica óbvio nos nomes da maioria dos partidos brasileiros, palavras não custam nada. Qualquer um pode chamar sua agremiação política como quiser. O partido pró-regime militar, depois chefiado por Paulo Maluf, se chamava Aliança Renovadora Nacional. Em 1980, foi rebatizado para Partido Democrático Social. Depois passaram a diversas variações de “progressista”. Quem conhecesse pelo nome, imaginaria um partido de esquerda.
Os nazistas literalmente afirmaram que estavam tomando a palavra “socialista” da esquerda. Veja Hitler:
Socialismo é a ciência de lidar com o bem comum. Comunismo não é socialismo. Marxismo não é socialismo. Os marxistas roubaram o termo e confundiram seu significado. Eu vou tirar o socialismo dos socialistas. Socialismo é uma instituição ancestral ariana, germânica.
Nossos ancestrais tinham certas terras em comum. Eles cultivaram a ideia do bem comum. O marxismo não tem o direito de se disfarçar de socialismo. Socialismo, diferente de marxismo, não repudia a propriedade privada. — Entrevista com George Sylverster Viereck, 1923
Ou também:
Socialismo como o conceito final do dever, do dever ético do trabalho, não para si mesmo mas também para seus pares e, principalmente, pelo princípio: bem comum antes do próprio bem, uma luta contra parasitismo e principalmente contra lucros fáceis e imerecidos. — 15 de agosto de 1920, discurso “Por Que Somos Antissemitas” na cervejaria Hofbräuhaus
Ficamos então numa tautologia: nazistas não são socialistas – são nacional socialistas. O que, num sentido mais profundo que política econômica, é praticamente o oposto.
QUESTÃO MORAL
Ainda que o nacional socialismo faça muitos chamados genéricos ao “bem comum” e tenha críticas ao capitalismo financeiro (sempre ligado aos judeus), seu ponto central não é a economia. É uma ideologia social-darwinista e anti-igualitária: pessoas podem ser classificadas em superiores ou inferiores por seus genes, sua ancestralidade, sua “raça”. Caberia ao Estado nazista fazer o elemento superior, “ariano”, prosperar – inclusive reprodutivamente, com o programa Lebensborn. Em outras palavras, cabia ao Estado promover a desigualdade “natural”.
Quanto à parte econômica, Hitler deu todo o tipo de privilégio à classe industrial alemã, inclusive o de ter menos concorrência, com os judeus fora do caminho. Foi com seu apoio e o da classe média que ele ascendeu ao poder, por meios constitucionais. Chegando lá, proibiu sindicatos e enviou sindicalistas aos campos de concentração.
Oficialmente, o nazismo estava “abolindo a luta de classes”, unindo trabalhador e patrão no ideal da nação ariana – e no esforço para ampliá-la pela guerra. Na prática, o “socialismo” nazista distribiui o dinheiro de suas vítimas entre os “arianos”, pagando não com impostos, mas pilhagem. E, para o resto, os “não arianos”, restaurou o trabalho escravo, até à morte.
O falecido historiador alemão Joachim Fest, um dos maiores especialistas em nazismo, e uma figura definitivamente não socialista, um conservador católico, resumiu assim o consenso: Hitler era tão “socialista” quanto era “quanto era cristão”.
“Nos anos 30, o partido de Hitler era ‘socialista’ só para obter vantagem do apelo emocional da palavra, e um partido ‘dos trabalhadores’ como um engodo para capturar a força social mais energética”, registrou Fest em Hitler. “Como as declarações de Hitler por seu respeito à tradição, aos valores conservadores, ou ao cristianismo, os slogans socialistas eram só artefatos ideológicos móveis, para servirem como camuflagem e tapearem o inimigo”.
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