A identidade da criatura permanece um mistério até os dias de hoje
Gévaudan, 30 de junho de 1764. Jeanne Boulet, uma garota de 14 anos, pastoreava um bando de ovelhas próxima à sua casa, como costumava fazer diariamente, ao pôr do sol. De repente, a jovem foi surpreendida por uma criatura grande como um bezerro, com um pescoço robusto, orelhas eretas e uma cauda imensa. A última coisa que a garota viu foi uma mandíbula cheia de dentes, com ambos os laterais longos e afiados, dilacerando a sua garganta de forma voraz.
Esse foi o primeiro registro de um ataque da “Besta de Gévaudan”, uma fera que amedrontou a antiga província de Gévaudan (departamento moderno da Lozère e parte do Alto Loire) entre os anos de 1764 e 1767. Segundo um estudo divulgado em 1987, juntando registros coletados de igrejas, cartas pessoais, certidões de falecimento e publicações de jornais, historiadores descobriram que aproximadamente 200 pessoas foram atacadas pela fera, sendo 113 delas mortas e 98 parcialmente devoradas. Diversos relatos constataram que a besta se assemelhava a um lobo gigante, mas a natureza dos ataques da criatura não condiziam com os do animal.
O pânico da população e o preço pela cabeça da criatura cresciam gradativamente. E após algumas caçadas mal sucedidas, uma delas durando um ano, acabou por forçar o rei Luís XV a tomar uma medida, oferecendo uma recompensa bastante generosa em troca da cabeça da besta: 6 mil libras francesas (convertendo para os valores atuais, passaria de 1 milhão de reais).
Após tomar conhecimento dos ataques, o rei contratou diversos caçadores para a caça, mas nenhum obteve sucesso. Isso mudou até ele encarregar o caçador François Antoine, de 71 anos, juntamente com seu filho, de matar a fera.
No dia 11 de agosto de 1765, Marie-Jeanne Valet, uma jovem de 19 anos que trabalhava como serva de um padre, estava caminhando com a sua irmã Thérèse quando foram surpreendidas pela fera. Marie-Jeanne rapidamente desferiu uma lança no peito do animal, fazendo-o gritar e atirar-se na água, rolando várias vezes antes de desaparecer. Antoine, o caçador à serviço do rei, se dirigiu ao local do ataque, vendo a lança ensanguentada usada pela mulher. O caçador apelidou-a de “Senhora de Gévaudan”, após sobreviver bravamente ao ataque da fera.
Uma estátua foi erguida em homenagem ao evento, criada pelo artista Philippe Kaeppelin e localizada em Auvers, uma comuna francesa situada no departamento de Val-d'Oise.
Em 20 de setembro de 1765, Antoine atirou em um lobo que condizia com as características da fera. O homem foi premiado com uma recompensa em dinheiro, títulos de nobreza e outros prêmios pelo seu feito. O cadáver da fera foi, então, empalhado e enviado à corte.
Apesar da morte do animal, novos ataques começaram a ser registrados em dezembro do mesmo ano. Diferentemente da outra vez, essa criatura não tinha medo de gado, como era o caso da outra.
Em meados de junho de 1767, o nobre da região organizou um grupo para exterminar a fera de uma vez por todas. Um dos membros do grupo, o caçador Jean Chastel, foi o responsável pelo abate da segunda besta. Ela teria permanecido imóvel onde Jean estava, e o caçador usou uma bala de prata que fora benzida por um padre para matá-la. O caçador acreditava piamente que a criatura se tratava de um lobisomem.
Após uma autópsia do animal, foram encontrados restos humanos dentro do seu estômago, comprovando que o animal era, enfim, o responsável pelas mortes.
Muitos pesquisadores acreditavam que a criatura poderia ser uma hiena africana. Se levado para um lado mais popular e fantasioso, muitos descreveram como algum predador pré-histórico ou um lobisomem. Devido a alguns casos de decapitação das vítimas, também surgiram as hipóteses de se tratar de um serial killer humano, pois tal forma de ataque não era comum entre animais. A teoria mais plausível é, realmente, uma onda de ataques de lobos, que era bastante comum na região. O que coloca essa hipótese à prova são as frequências dos ataques e a ausência de casos de raiva entre as vítimas.