O livro 'O Primeiro Golpe do Brasil' de Ricardo Lessa revela a verdadeira face do imperador que, em 1823, dissolveu a Assembleia Constituinte
No livro 'O Primeiro Golpe do Brasil', o escritor Ricardo Lessa revisita um dos episódios mais esquecidos e subestimados da história brasileira: o fechamento da Assembleia Constituinte de 1823 por Dom Pedro I.
A obra detalha como o imperador, insatisfeito com a direção que a Constituinte estava tomando — que visava limitar seu poder e estabelecer uma constituição mais progressista para o país — decidiu dissolvê-la abruptamente.
A Assembleia Constituinte de 1823 foi formada por mais de 60 deputados de diversas regiões do país, alguns dos quais participaram de discussões sobre a constituição portuguesa.
A proposta inicial era criar uma constituição que estabelecesse as bases jurídicas do Brasil e limitasse o poder monárquico, alinhando o país com as tendências globais de diminuição do absolutismo.
No entanto, quando Dom Pedro I percebeu que essa nova constituição reduziria seu poder, ele ordenou o fechamento da Assembleia.
O autor também desmistifica a figura do português, muitas vezes pintada como heroica pelos relatos históricos promovidos pela monarquia e seus descendentes.
"O que é característico de um herói é fazer ações que salvem alguém de alguma tragédia, e jamais se viu falar isso de Pedro I. Ele sempre foi descrito como uma figura folclórica, incontinente sexual, de atacar as mulheres, amigos e conhecidos, espalhar filhos pelo Brasil, bem como um troço folclórico", disse Ricardo Lessa em entrevista ao site Aventuras na História.
Lessa argumenta que o imperador foi, na verdade, um governante controlado por sua corte e cercado por figuras questionáveis, como Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, e Chalaça.
O fechamento da Assembleia Constituinte teve profundas consequências para o país, consolidando uma aliança entre a corte e os grandes traficantes de escravos. Esse período foi marcado pelo aumento do tráfico negreiro e pela intensificação do poder absolutista de Dom Pedro I, que outorgou uma constituição que lhe conferia poderes quase ilimitados, incluindo o famigerado poder moderador, que permitia ao imperador governar sem prestar contas a ninguém.
Todas as constituições que vigoram até hoje impõem limites a orçamentos e comportamento dos reis. No caso dessa Constituição que foi outorgada e assinada por Pedro I não existia nada disso," adicionou o autor.
A obra do jornalista traz uma nova visão sobre esse capítulo sombrio da história brasileira e propõe uma reflexão sobre como a tradição autoritária inaugurada por Dom Pedro I continuou a influenciar a política brasileira, ressurgindo em diferentes formas ao longo dos séculos.
"O professor James Green, da Universidade Brown, fala que esse molde autoritário estabelecido e inaugurado por Pedro I vem se repetindo com ressurgências ao longo da história. Um poder monárquico que depois virou republicano e cercado por militares, cercado por poderosos, que impõem a sua vontade ao resto do país," completou Ricardo.
Ao desconstruir a imagem do imperador e destacar as aspirações frustradas de uma constituinte liberal, "O Primeiro Golpe do Brasil" contribui para uma compreensão mais crítica e realista da formação do Estado brasileiro.