Os fiéis entravam em transe ao ouvir uma vitrola com discurso do primeiro-ministro britânico
A vida da zambiana Alice Lenshina (1920-1978) mudou para sempre em 1953, quando ela contraiu malária. Entrou em coma e, quando se recuperou, disse ter recebido uma missão divina. Lenshina criou uma igreja que misturava cristianismo com religiões africanas. O instrumento que ela usava para conclamar os fieis era um prosaico gramofone com um disco velho e arranhado.
Nele, a gravação de um discurso emocionado de Winston Churchill (1874-1965), primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra. Lenshina dizia que aqueles murmúrios e ecos incompreensíveis (na verdade, Churchill convocando os ingleses para suportar as agruras da batalha) eram a voz de Deus e que os fieis deveriam segui-la. Deu certo. No fim dos anos 50, a Igreja Lumpa, como foi chamada, tinha entre 50 mil e 150 mil seguidores. Eles ergueram um templo na mata, onde entravam em transe com a voz do premiê. No entanto, a Igreja durou pouco.
Repressão política
A religião fundada por Alice Lenshina, que não reconhecia o poder do Estado, surgiu em uma época bastante tumultuada: a África dos anos 60. A Zâmbia, então Rodésia do Norte, colônia do Reino Unido (aquele, de Churchill), emancipou-se em 1964, ano em que Kenneth Kaunda, presidente do país até 1991, baniu a Lumpa do país.
"Membros da igreja se envolveram com a oposição e o jovem Estado da Zâmbia se sentiu ameaçado", afirma o historiador da Universidade de Brasília Wolfgang Döpcke, especialista em África contemporânea. O governo perseguiu e matou fieis, destruiu o templo e prendeu Lenshina. Ela começou então uma vida de fugas, capturas e prisão domiciliar até morrer, em 1978. "Kaunda, que tinha certa afinidade com o protestantismo de Lenshina, a perdoou mais tarde", diz o professor Döpcke.