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Matérias / Idade Média

Textos antigos mostram denúncias de violência sexual na Idade Média

Textos analisados em estudo mostram denúncias de violência sexual feitas por mulheres na Idade Média

Ingredi Brunato Publicado em 17/02/2024, às 12h00

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Pintura meramente ilustrativa - Divulgação/ Wikimedia Commons
Pintura meramente ilustrativa - Divulgação/ Wikimedia Commons

Até hoje, crimes sexuais são cercados de controvérsias. Quando o agressor é uma celebridade, por exemplo, as vítimas são frequentemente acusadas de mentirem a respeito do ocorrido por atenção ou dinheiro. E, mesmo quando o acusado é uma pessoa comum, o tabu em torno do estupro muitas vezes impede que a violação seja sequer denunciada às autoridades. 

Levando em conta todos os casos que aparecem atualmente de vítimas que tentam buscar justiça após serem agredidas sexualmente e acabam sendo silenciadas, é compreensível não se ter muita esperança ao imaginar a maneira como nossa sociedade deveria lidar com esse tipo de infração no passado. 

As descobertas feitas ao longo dos anos a respeito do tópico, porém, são surpreendentes. Houve mais de uma pesquisa a respeito. A mais famosa ocorreu há cerca de 30 anos, quando a professora Maria del Carmen Pallarés Méndez, da Universidade de Santiago, analisou documentos históricos sobre crimes sexuais registrados em Ourense (município da Espanha) durante o século 15. 

Ela descobriu que, mesmo naquela época, quando mulheres tinham muito menos autonomia, existiram aquelas que conseguiram denunciar casos de violação. Em diversas ocasiões, inclusive, elas precisaram representar a si mesmas em tribunal. 

Já um estudo mais recente que foi publicado em 2021, esse de autoria de Abel Lorenzo-Rodriguez, que tem doutorado em História Medieval pela Universidade de Santiago de Compostela, revisita dois casos ocorridos na Península Ibérica durante o período medieval em que as vítimas procuram as autoridades após sofrerem agressões sexuais. 

Antes de falar deles, porém, é relevante destacar que esse tipo de pesquisa conta com alguns obstáculos de interpretação. Em texto ao site The Conversation, Lorenzo-Rodriguez explicou três deles: 

Podem ser linguísticos (os documentos foram escritos em latim ou em línguas românicas mais antigas), jurídicos (não existe, por exemplo, nenhum equivalente jurídico exato para a definição moderna de violação) e representacionais (poucos documentos fornecem detalhes específicos dos crimes cometidos)", apontou. 

Espanha 

 Documento encontrado no mosteiro San Salvador de Celanova / Crédito: Divulgação/ Arquivo Histórico Nacional de Madrid

O primeiro deles se deu no fim do século 10, em Galiza, uma comunidade autônoma da Espanha. O caso foi registrado em documentos do mosteiro de Celanova. Uma mulher buscou o convento de monges para denunciar seu próprio avô, acusado de abusá-la. 

Conforme repercutido pelo Phys.org, a neta é mantida em anonimato, já o agressor é chamado de "Tusto". O que torna esse caso particularmente surpreendente é que ele admite ter abusado dela e concorda em ser punido pelos seus atos. 

Diante das noções daquela sociedade, o crime que Tusto cometeu foi de adultério, dado que teve uma relação ilícita fora de seu casamento. Como consequência, ele entregou diversas posses suas ao mosteiro. 

Portugal 

O segundo registro, por sua vez, ocorreu na cidade portuguesa de São Pedro do Sul, e se desenrolou em meados do século 11. Trata-se de um documento escrito em primeira pessoa a respeito de Jimena.

Após um homem denominado de Juan Arias ter tentado "consumar um relacionamento contra a sua vontade" (que é como o pesquisador Lorenzo-Rodriguez traduz o trecho em latim), a mulher buscou a ajuda não só da Igreja, mas também de outra figura masculina. 

Esse segundo homem se chamava Alvitu Sandizi, um influente magnata da região, muito respeitado pela comunidade local, e, por isso, tinha certa autoridade.  Jimena, com sua mãe Ducidia, conseguiu que mercadorias pertencentes à Igreja fossem dados a Alvitu a fim de que ele concordasse em protegê-la de Juan no futuro. 

Conclusões 

Também no The Conversation, Abel Lorenzo-Rodriguez fala sobre como sua pesquisa contribui para termos uma visão mais realista do passado e também do presente: 

Analisar e aprender sobre estas histórias não só estabelece um precedente histórico para o presente, mas também nos ajuda a mudar a forma como vemos o passado. É responsabilidade dos pesquisadores históricos trazer de volta essas evidências e compartilhá-las. Desta forma, as ações da neta de Tusto, Jimena e da sua mãe, e de inúmeras outras pessoas, podem contribuir para uma sociedade onde as mulheres são levadas a sério quando denunciam violência sexual", concluiu o autor.