Aos 10 anos, Ronald Mallett perdeu o pai, mas adquiriu um ambicioso sonho: conseguir viajar no tempo
Éric Moreira, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 25/10/2023, às 16h57 - Atualizado em 24/01/2024, às 16h01
A humanidade sempre sonhou com a possibilidade de voltar ao passado — afinal, quem não gostaria de consertar algum engano? Porém, o que para muitos é apenas coisa de ficção científica, representa uma grande meta de vida para o físico estadunidense Ronald Lawrence Mallett.
Hoje com 78 anos, Mallett leciona na Universidade de Connecticut, mas é amplamente conhecido no meio acadêmico, especialmente por sua posição científica sobre a possibilidade de viajar no tempo, e todas as teorias que desenvolveu com isso em mente. A história para o início de sua ambição, porém, tem uma origem melancólica e relacionada a um sonho que criou quando ainda criança. Entenda!
+ John Titor: A lenda — e fraude — da internet que disse ter voltado no tempo em 2036
Ronald Mallett nasceu no dia 30 de março de 1945 em Roaring Spring, no estado norte-americano da Pensilvânia, filho de Boyd, um reparador de TVs, e Dorothy. Durante parte de sua infância, porém, viveu no Bronx, em Nova York, com os pais, dois irmãos e uma irmã.
Na noite do 11º aniversário de casamento de Boyd e Dorothy — quando Ronald tinha apenas 10 anos —, o casal deitou-se na cama como em qualquer outro dia comum. Porém, algumas horas depois, o pequeno Ronald acordaria com sua mãe aos prantos e com a notícia de que o pai morreu repentinamente, após sofrer um ataque cardíaco.
"Eu não conseguia compreender como isso era possível. Até hoje é difícil para mim acreditar que ele se foi. Mesmo depois de 60 anos", contou em entrevista em março deste ano a Daniel Lavelle, do The Guardian.
Conforme relatado por Ronald Mallett, o pai lutou na Segunda Guerra Mundial e, após voltar para casa, utilizou de uma lei que ajudava veteranos a pagar mensalidades para estudar. Então, estudou eletrônica e, durante os primeiros anos de vida dos filhos, levava giroscópios e aparelhos de rádio de cristal, desmontava-os e explicava como funcionavam.
Foi um ano depois de perder o pai que o pequeno Ronald Mallett adquiriu um exemplar do quadrinho 'The Time Machine' ('A Máquina do Tempo', em tradução literal), do britânico H. G. Wells, e tomou uma decisão que ditaria os rumos de sua vida: ele criaria sua própria máquina do tempo para voltar até 1955 e impedir a morte do pai.
Deprimido com a morte de Boyd e lidando com outros problemas que o mundo lhe reservaria — após o trágico evento, a família mudou-se para Altoona, na Pensilvânia, onde sofreria racismo —, adentrou ainda mais em seu mundo de fantasia dos livros e revistas. E foi assim que 'The Time Machine' chegou até ele.
"De alguma forma, isso falou comigo", relata Mallett em entrevista. "O primeiro parágrafo mudou minha vida. Ainda me lembro da citação: 'Os cientistas sabem muito bem que o tempo é apenas uma espécie de espaço e que podemos avançar e retroceder no tempo, tal como podemos no espaço.'"
Inspirado pelo invento, ainda na infância tentou criar sua própria máquina do tempo utilizando peças sobressalentes de TV e rádio de seu pai e outras de bicicletas. E, como era de se esperar, não funcionou.
Persistente com a ideia de criar a própria máquina do tempo, Mallett encontrou um livro de Albert Einstein — que já afirmava em suas obras que o tempo não era absoluto — e entendeu que, para conseguir ver o pai novamente, teria que compreender o conteúdo do livro. Com o tempo, tornou-se um aluno de destaque e terminou sua vida de ensino básico com nota máxima.
Sem recursos financeiros para frequentar a faculdade, Ronald ingressou na Força Aérea norte-americana, para que, eventualmente, pudesse utilizar da mesma lei que o pai, e assim financiar seus estudos. "Era uma vida muito, muito solitária", recorda.
Após sua atuação militar, ele matriculou-se na Universidade Estadual da Pensilvânia, e, inclusive, tornou-se um dos primeiros afro-americanos a receber um doutorado em física.
Porém, mesmo que tenha alcançado certo sucesso acadêmico, não tinha confiança suficiente para discutir na época o conceito de viagens no tempo. Isso porque ainda era década de 1980, e o assunto era considerado tão irreal que poderia se tornar um 'suicídio profissional' mencioná-lo.
Foi só com a chegada da década de 1990 que a comunidade científica começou a discutir sobre viagens no tempo, e Mallett sentiu-se mais seguro para expressar o que pensava.
Com a idade, porém, também apresentou problemas cardíacos, e enquanto se recuperava de uma cirurgia — e estudava em paralelo — finalmente teve um vislumbre do que poderia solucionar sua questão: buracos-negros.
"Acontece que buracos negros em rotação podem criar um campo gravitacional que pode levar à criação de loops de tempo que podem permitir que você volte ao passado", explica o físico.
Diferente de um buraco negro comum, um buraco negro giratório possui dois horizontes de eventos — fronteira teórica ao redor de um buraco negro a partir da qual a força da gravidade é tão forte que nem mesmo a luz conseguiria escapar —, um interno e outro externo, e entre eles ocorreria o fenômeno do arrastamento de quadros.
"Deixe-me fazer uma analogia", acrescenta o físico para explicar o fenômeno. "Digamos que você tenha uma xícara de café na sua frente agora. Comece a mexer o café com a colher. Começou a girar, certo? É isso que um buraco negro em rotação faz. Mas na teoria de Einstein, o espaço e o tempo relacionam-se entre si. É por isso que é chamado de espaço-tempo. Então, à medida que o buraco negro está girando, ele causará uma torção no tempo."
Apesar de não existirem buracos negros próximos à Terra, Mallett acredita que seria possível simular um deles artificialmente com um dispositivo chamado laser de anel, que geraria um feixe de luz rotativo intenso. Como "a luz pode criar gravidade… E se a gravidade pode afetar o tempo, então a própria luz pode afetar o tempo", afirmou.
Com isso em mente, parece que simples produzir o necessário para criar uma distorção no tempo. Porém, o que muitos críticos de Mallett pontuam é que, para tanto, seria necessário criar uma máquina do tamanho do universo conhecido. E "você está absolutamente correto; você está falando sobre tipos de energia galáctica para fazer isso", reconhece o físico.
A verdade é que Ronald Mallett foi capaz de desvendar o que seria necessário para distorcer o tempo, mesmo que não tenha descoberto como fazer isso efetivamente. Ele compara o cenário a perguntar aos irmãos Wright, logo após seu voo inaugural, como então a humanidade chegaria à Lua.
+ Santos Dumont x Irmãos Wright: O debate pelo pioneirismo da aviação
Além disso, para ser simulado o aparato capaz de distorcer o tempo, seria necessário o empreendimento financeiro de governos e bilionários, visto que o projeto seria bem caro. E mesmo que tudo isso fosse obtido, haveria outro problema: só seria possível retornar até o ponto onde foi criado o loop temporal — o que nunca poderia ser em 1955; Ronald jamais poderia reencontrar seu pai.
Segundo Ronald, "foi triste para mim [perceber tal fato], mas não foi trágico, porque lembro que havia um menino que sonhava com a possibilidade de ter uma máquina do tempo. E eu descobri como isso pode ser feito". Além disso, ele tem como consolo o enorme potencial que tal máquina poderia representar para a humanidade.