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Matérias / Nazismo

“O Farmacêutico de Auschwitz” revela como profissionais da saúde colaboraram com o extermínio de judeus

Thriller histórico expõe os bastidores de um dos capítulos mais trágicos do nazismo

Thiago Lincolins Publicado em 23/10/2018, às 10h00 - Atualizado em 26/10/2018, às 15h08

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Saiba mais sobre a ciência nazista  - Getty Images
Saiba mais sobre a ciência nazista - Getty Images

Com a ascensão do Terceiro Reich, os médicos formavam a profissão com maior filiação ao partido nazista: 44,8% deles tinham carteirinha. E, como os judeus estavam super-representados na medicina da época, foi despertado nos médicos alemães uma cruel vontade de defenestrar a "máfia judia" em busca de vantagens pessoais. O judeu inferior, que roubava o emprego dos arianos superiores, agora deveria ser exterminado feito um rato.

Com a demissão em massa de judeus e a demanda de profissionais para purificar a raça, não faltou mais trabalho para os médicos. Quando o programa de extermínio de doentes foi desaprovado publicamente em 1941, eles continuaram o trabalho. Em segredo, mataram mais 100 mil de fome.

O know-how adquirido foi usado no projeto Solução Final, cujo objetivo máximo era o extermínio de 11 milhões de judeus em campos de concentração. Ali, cientistas nazistas ponderaram: "Judeus são ratos. E ratos são cobaias. Logo, judeus são cobaias". É possível que um raciocínio simples como esse explique a conduta de muitos dos 350 médicos envolvidos em experiências que usaram humanos.

Sangue frio

Um desses 350 médicos teve atitudes que nem a fria lógica nazista justifica: jogou prisioneiros em caldeirões ferventes, injetou tinta em olhos de crianças, uniu gêmeos cirurgicamente e dissecou anões vivos. Ficou conhecido como o "anjo da morte" de Auschwitz, era Josef Mengele. Ele não agiu sozinho, ao seu lado estava Victor Capesius, até então um representante comercial da I.G Farben, uma grande indústria farmacêutica alemã. No entanto, o farmacêutico acabou sendo enviado para Auschwitz em 1943.

Juntos, trabalharam na seleção de judeus que seriam enviados para a câmara de gás. Contudo, Capesius era diferente dos outros representantes da SS. Quando as vítimas eram enfileiradas na rampa de chegada, reconheciam facilmente o rosto do major. E, o seu trabalho anterior a grande guerra, levantou a seguinte questão entre as vítimas: o que um simpático farmacêutico fazia num lugar tão insólito?

Agora, o livro O Farmacêutico de Auschwitz, de Patrícia Posner, responde além. Ao dar voz a sobreviventes, promotores e se debruçar em arquivos dos julgamentos de carrascos nazistas, a autora revela como outros farmacêuticos, médicos e enfermeiros se renderam ao horror da ciência de Hitler, responsável pela morte de milhões de vítimas.

Além disso, o thriller impressiona por constatar que um fato tão horripilante não foi resultado da mente fértil de escritores de suspense. Um exemplo é o trecho que reproduz uma das notas pós-guerra de Capesius, onde dele escreve o método de execução na câmara de gás.

"De acordo com o desenho técnico dos crematórios, eles tinham capacidade de incinerar 4.456 corpos por dia. Mas isso era apenas um valor teórico. Na verdade, quase 5 mil corpos eram queimados por dia nos crematórios II e III, e quase 3 mil nos crematórios IV e V. No verão de 1944, durante a deportação de judeus húngaros, a SS voltou a assumir a operação Bunker II. Nesse período, quase 24 mil pessoas podiam ser mortas e incineradas por dia. As cinzas dos mortos eram usadas para fertilizar os campos, aterrar os pântanos, ou eram simplesmente atiradas nos rios e lagos vizinhos."


O Farmacêutico de Auschwitz, Patrícia Posner, Globo Livros, 296 páginas, R$ 44,90.