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Matérias / Getúlio Vargas

Relembre as crises e conspirações que resultaram na morte de Vargas

A morte de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, foi o desfecho trágico de uma intensa crise política e econômica que se agravou

Luiza Lopes Publicado em 20/08/2024, às 20h00

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Getúlio Vargas - Getty Images
Getúlio Vargas - Getty Images

Na manhã do dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas tirou a própria vida. Na época, em seu segundo mandato (1951-1954), ele enfrentava uma crise política e econômica crescente

Pressionado por uma oposição feroz, enfrentando o desgaste causado por escândalos, greves e acusações de corrupção, Vargas viu seu governo cercado por tensões internas e externas, que culminaram em um clima insustentável.

Embate 

Desde o início de sua gestão, Vargas buscou equilibrar os interesses conflitantes entre trabalhadores e empresários, além de lidar com as tensões internas e a oposição organizada por setores conservadores e liberais, pontua Thiago Cavaliere, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), à Aventuras na História. 

Ao assumir em 1951, Vargas tentou um governo de consenso e não conseguiu. Deu a maioria dos ministérios pro PSD, que era o maior partido no Congresso (uma espécie de "centrão"). Seu próprio partido, o PTB, recebeu menos ministérios", afirma o estudioso.

Além disso, explica Marcos Napolitano, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Vargas era visto como um "ditador autoritário e defensor da intervenção do Estado na economia, o que desagradava os liberais".

Para os militares, a maior desconfiança era a aproximação de Vargas e os trabalhistas com as massas operárias, ou seja, uma política de massas vista com desconfiança pelos setores mais à direita. Ainda que Vargas não fosse propriamente um esquerdista, tampouco um comunista, esse tipo de política de massas e o protagonismo dos sindicatos eram vistos com muita desconfiança pelos conservadores e pela direita", explica. 

A tentativa frustrada de conciliação foi agravada por greves e protestos, como a "Greve dos 300 mil" em São Paulo, em 1953, impulsionada por sindicatos que reivindicavam reajustes salariais significativos para compensar as perdas causadas pela inflação.

Para se reaproximar dos trabalhadores, Vargas nomeou João Goulart como ministro do Trabalho, que propôs um aumento de 100% no salário-mínimo, gerando forte resistência militar. Mesmo após a saída de Goulart, ele concedeu o reajuste, acentuando a instabilidade.

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Manifestação em frente ao Theatro Municipal no Rio de Janeiro; orador pedia pela renúncia do presidente Getúlio Vargas / Crédito: Getty Images

Economia estagnada

A economia brasileira, por sua vez, passava por um período de estagnação, com inflação crescente e dificuldades na balança de pagamentos.

À Aventuras na História, Fernando Sarti, doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), explica que as políticas econômicas de Vargas, como o controle de preços e a expansão da intervenção estatal, encontraram resistência tanto do empresariado quanto da classe média, que enxergavam suas economias corroídas pela alta dos preços.

O desenvolvimento industrial brasileiro dependia de importações pagas com dólares obtidos pelas exportações agrícolas. Na década de 50, houve uma crise no preço das commodities, especialmente do café, complicando ainda mais a situação econômica e política de Vargas”, afirma Sarti

Além disso, o contexto internacional também contribuiu para agravar a situação interna. O Brasil vivia sob a influência da Guerra Fria, e as tensões ideológicas globais se refletiam nas disputas políticas internas.

A oposição a Vargas se alinhava com os interesses norte-americanos, que enxergavam com preocupação qualquer sinal de "avanço comunista" na América Latina

"Ele tentou seduzir a UDN (União Democrática Nacional), que era uma oposição forte, mas o máximo que conseguiu foi a adesão de um ou outro político desse partido, casos isolados. No geral, a UDN fez forte oposição, com destaque para Carlos Lacerda, que constantemente fazia ataques ao governo no rádio e no jornal A Tribuna da Imprensa", pontua Cavaliere.

"A linguagem da "anticorrupção" também foi muito utilizada pela UDN para combater o varguismo e o trabalhismo em geral", acrescenta Napolitano.

Atentado 

O atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, em 5 de agosto, intensificou drasticamente a crise política no governo. O episódio, que resultou na morte do major da Aeronáutica Rubens Vaz, ampliou a pressão sobre o presidente, sendo explorado pelos adversários de Vargas para incitar as Forças Armadas contra ele.

Segundo Cavaliere, embora o governo tenha negado qualquer envolvimento, o fato de os suspeitos estarem ligados a Vargas "aumentou o ônus político". Em 8 de agosto, após depoimentos que incriminavam membros de sua guarda pessoal, o presidente dissolveu a equipe de segurança e ordenou que Gregório Fortunato, chefe da guarda, permanecesse no Palácio do Catete para prestar esclarecimentos.

No dia 9 de agosto, pedidos de afastamento de Vargas começaram a ser levantados na Câmara dos Deputados, liderados por Aliomar Baleeiro e apoiados por Afonso Arinos, um dos principais opositores.

Nos dias seguintes, entre 10 e 12 de agosto, os contatos entre militares do Exército, Marinha e Aeronáutica se intensificaram, com debates acalorados sobre a crise. "Inicialmente, havia dissenso entre os militares quanto ao apoio a Vargas, mas, aos poucos, a situação começou a se definir", aponta Cavaliere.

À medida que a crise se aprofundava, pessoas cada vez mais próximas ao presidente foram interrogadas e presas, intensificando a pressão pela sua renúncia. Vargas, decepcionado com seus aliados e sob crescente pressão, buscava uma estratégia para enfrentar o momento crítico.

Em 13 de agosto, a prisão de Alcino João do Nascimento, autor dos disparos contra Lacerda, "trouxe novas revelações", segundo o historiador. Ele afirmou ter sido contratado por Climério Euribes de Almeida, ligando o caso diretamente a Gregório Fortunato e, indiretamente, ao próprio filho de Vargas, Lutero.

Dois dias depois, Fortunato foi preso e, em 16 de agosto, Nero Moura, ministro da Aeronáutica, renunciou, pressionado pelo crescente sentimento anti-Vargas entre seus subordinados.

Em seguida, Climério foi preso e confirmou que Gregório de Matos havia ordenado o atentado, enquanto operações irregulares envolvendo Manuel Vargas, outro filho do presidente, também vieram à tona.

Renúncia?

Cavaliere explica que entre 20 e 23 de agosto,Café Filho, vice-presidente, começou a articular a renúncia de Vargas. "O vice se reuniu diretamente com Vargas e propôs a renúncia de ambos, mas o presidente pediu tempo para considerar a sugestão", diz.

Em 22 de agosto, a Aeronáutica aprovou uma proposta sugerida pelo vice de exigir a renúncia de Vargas, e o general Mascarenhas de Morais foi encarregado de comunicar essa decisão.

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À esquerda, Café Filho; à direita, Getúlio Vargas / Crédito: Divulgação/Arquivo Nacional

Segundo o historiador, a resposta de Vargas foi firme: ele não deixaria o Palácio do Catete a menos que fosse morto. Finalmente, em 23 de agosto, Marinha e Exército apoiaram a posição da Aeronáutica, aumentando a pressão sobre o presidente.

O adeus

No ato final de sua vida, Vargas, diante da possibilidade de um golpe de estado e ciente de sua fragilidade política, escolheu uma saída inesperada: o suicídio.

Em 24 de agosto de 1954, após uma reunião com aliados e familiares na madrugada, decidiu tirar uma licença temporária. Incapaz de dormir, às 8:30 da manhã, Vargas tirou a própria vida com um tiro no peito, no Palácio do Catete.