William Butler Yeats, Philip K. Dick e Jorge Luís Borges eram alguns que se influenciaram pelas cartas e moedas nos rumos tomados em suas obras
O tarô e os jogos de sorte são elementos importantes para algumas pessoas quando se trata de tomada de decisões. O tarô, por exemplo, pode recriar trajetórias de vida e projetar sua continuidade e, assim, produzir uma narrativa sobre o futuro.
Muitos artistas tiveram suas vidas marcadas pelo gosto pelas cartas e pela sorte aleatória. Philip K. Dick, por exemplo, autor de O Homem do Castelo Alto, decidiu a trajetória de sua obra tendo como principal influência uma moeda que lançava corriqueiramente sobre sua mesa para decidir rumos narrativos. O famoso “cara ou coroa” guiou boa parte da história que conta a vida estadunidense após a vitória alemã na guerra e a tomada do país pelos nazistas.
Nessa época, Dick estava também muito influenciado pela sua recente descoberta: um jogo místico chamado I-Ching, de origem chinesa, muito próximo do esquema do tarô, mas que funciona a partir de números e moedas. O autor usava a diversidade de rumos possibilitados pelo uso do I-Ching para sua massiva produção de obras. Os jogos de moedas usados por Dick eram essenciais para sua produção literária.
O I-Ching é um jogo que permite o diálogo. As moedas respondem suas perguntas com o positivo e o negativo (sim e não). Já no tarô, a experiência é mais profunda e modificadora.
Tarólogos dizem que o uso das cartas é uma forma de traçar um relato compreensível em meio à confusão da vida. Seria uma estratégia de conceber um trajeto delineável e narrável em meio às múltiplas possibilidades de caminhos já percorridos e a se percorrer. Essa característica do tarô fez com que o jogo atraísse a atenção e o afeto de grandes nomes da literatura mundial.
Sylvia Plath, por exemplo, usou o tarô para produzir pelo menos três poemas completos da compilação Ariel, de 1965, e, a partir deles, concebeu o desenvolvimento de uma trajetória guiada, como em um jogo de tarô.
William Butler Yeats, conhecido por sua ligação com filosofias ocultistas, usou frequentemente o tarô em sua obra, não somente na tomada de decisões, mas no próprio imaginário poético de sua narrativa.
A pintora e escritoa Leonora Carrington imaginava o tarô como o equivalente a espelhos, pois mostram aquilo que não conseguimos ver, e usou essa metáfora em diversas obras surrealistas que produziu.
Pamela Lyndon Tavers teve sua vida bastante influenciada pela crença no tarô. Sua principal obra, Mary Poppins, é marcada pelo clima obscuro e incerto, muito mais do que as versões cinematográficas. Tavers era frequentadora constante de sessões de tarô, mesmo que não necessariamente para pensar o rumo de suas obras, mas para pensar em sua vida pessoal. A adoção de sua filha e a mudança de casa foram frutos diretos do resultado de seu jogo de cartas, por exemplo.
Jorge Luís Borges, talvez o maior escritor da história argentina, também era um adorador desses jogos de sorte. Muito afeito ao tarô, Borges se deixou influenciar muito, na vida privada e em sua obra artística, pelas sessões de carta. Chegou a escrever uma poesia cuja principal influência era o I-Ching, chamada Para uma versão do I-Ching, em A Moeda de Ferro (1976):
Nosso futuro é tão irrevogável
Quanto o rígido ontem. Não há nada
Que não seja uma letra calada
Da eterna escritura indecifrável
Cujo livro é o tempo. Quem se demora
Longe de casa já voltou. A vida
É a senda futura e percorrida.
Nada nos diz adeus. Nada vai embora.
Não te rendas. A masmorra é escura,
A firme trama é de incessante ferro,
Porém em algum canto de teu encerro
Pode haver um descuido, a rachadura,
O caminho é fatal como a seta,
Mas Deus está à espreita entre a greta.
O uso dessas formas de pensar o futuro foi tão influente na arte, em tantas partes do mundo, que em muitos aspectos a presença do tarô e do I-Chang não pode ser ignorada para pensar o desenvolvimento artístico e autoral de diversas figuras centrais da literatura.
Para muitos, o campo místico e supersticioso da análise do tempo pessoal é suporte básico para a vivência pessoal e para a experiência artística e da sublimação, servindo como preenchimento dos vácuos que a vida propriamente material não consegue acessar.
O tarô, que muitas vezes sofre preconceitos e represálias, foi fonte primal para o nascimento de romances e contos que não podem ser negados pelos que presam a arte. Afinal, é muito difícil negar a qualidade dos contos de Borges, das alucinadas histórias de Dick ou dos quadros de Carrington e todos eles se basearam na sorte e na superstição para poderem existir hoje.