Cena de abertura de 'O Problema dos 3 Corpos' resgata o que foi a Revolução Cultural Chinesa; mas o que aconteceu durante o período e qual sua importância na narrativa?
Série exclusiva da Netflix, 'O Problema dos 3 Corpos' é atualmente uma das produções mais vistas dentro da plataforma de streaming. A trama é baseada no livro homônimo escrito por Cixin Liu em 2008.
"China, final dos anos 1960. Enquanto o país inteiro está sendo devastado pela violência da Revolução Cultural, um pequeno grupo de astrofísicos, militares e engenheiros começa um projeto ultrassecreto envolvendo ondas sonoras e seres extraterrestres. Uma decisão tomada por um desses cientistas mudará para sempre o destino da humanidade e, cinquenta anos depois, uma civilização alienígena a beira do colapso planeja uma invasão. O problema dos três corpos é uma crônica da marcha humana em direção aos confins do universo", destaca a sinopse da obra, publicada no Brasil pela Editora Suma.
Mas, afinal, o que foi a Revolução Cultural da Chinesa e por qual motivo é tão importante na narrativa de 'O Problema dos 3 Corpos'?
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Antes de entendermos a Revolução Cultural Chinesa, primeiro precisamos voltar um pouco mais no tempo para compreender o movimento feito por Mao Tsé-Tung. Em 1958, o líder máximo da China começou a elaborar seu grandioso plano chamado 'O Grande Salto Adiante'.
Em resumo, 'O Grande Salto Adiante' serviria para acelerar o desenvolvimento da indústria e da agricultura no país. Mas, ao invés de melhor as condições de vida dos chineses, o plano foi marcado pela fome.
Obviamente, o fracasso rendeu críticas a Mao. Assim, seus colegas do Partido Comunista da China (PCC) o retiraram do poder. Tsé-Tung retornou ao controle total da nação em 1966 por meio de um movimento social e cultural chamado Revolução Cultural Chinesa'. Esse período durou uma década, portanto, até 1976.
Durante a Revolução Cultural Chinesa, Mao Tsé-Tung lutou para impedir que qualquer interferência capitalista chegasse ao país. Desta forma, incitou jovens para perseguir e matar inimigos, críticos e opositores maoistas e do Partido Comunista; ou aliados do capitalismo.
A revolta começou em Pequim, durante o chamado 'Agosto Vermelho' em 1966, quando jovens e estudantes foram chamados para formar os grupos dos 'Guardas Vermelhos', recorda o Historical Dictionary of the Chinese Cultural Revolution.
Pensada para fortalecer o poder e resgatar a imagem de Mao Tsé-Tung, a Revolução Cultural Chinesa foi responsável por grandes danos na economia e na cultura tradicional chinesa.
A Revolução Cultural Chinesa é retratada logo na abertura de 'O Problema dos 3 Corpos', que começa sua narrativa em Pequim, na Universidade de Tsinghua, em 1966; ou seja, no início do movimento. E a cena é crucial para se entender o desenrolar da história.
Na abertura, Guardas Vermelhos humilham o contrarrevolucionário e professor de física Ye Zhetai. Enquanto uma multidão grita palavras como 'eliminem todos os monstros e demônio' e 'erradiquem os insetos', Zhetai é pressionado a negar a existência de teorias científicas comprovadas, como a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein — que, segundo uma das jovens da Guarda, "ajudou os imperialistas americanos a construir a bomba atômica".
Ye Zhetai não pode negar que ensinava a teoria contrarrevolucionária do Big Bang", acusa sua esposa, chamada ao palco. Embora também seja uma física, ela nega a verdade científica para se salvar.
Sem ir contra os princípios da ciência, Ye Zhetai permanece firme diante seus ideais e acaba espancado até a morte. Toda a cena é presenciada pela filha do casal: Ye Wenjie.
Ver tudo o que de pior a humanidade é capaz de oferecer faz Ye Wenjie acreditar que não existe mais esperança que nos salve da autodestruição. Assim, mais tarde, quando ela se junta à iniciativa secreta dos militares chineses para estabelecer comunicação interestelar, ela não pensa duas vezes em responder uma mensagem da espécie alienígena, conhecida com San-Ti, para eles virem até à Terra e nos salvar do nosso próprio mal.
A abertura ajuda a tornar compreensível o sofrimento e desesperança da personagem, que mantém uma fé autêntica que os San-Ti conseguiriam ajudar. Porém, tudo vai abaixo quando explanam que estão vindo até nosso planeta para conquistá-lo.
O showrunner de 'O Problema dos 3 Corpos', Alexander Woo, discutiu a importância da cena inicial e como ela se conecta à sua própria vida — e também a do diretor Derek Tsang — em entrevista ao The New York Times.
É uma parte da história que não é muito escrita na ficção, muito menos filmada. E minha família sobreviveu a isso, assim como a família de Derek Tsang, que dirigiu os dois primeiros episódios. Damos muito crédito a ele por dar vida a isso, porque ele sabia que talvez nunca tivesse sido filmado com esse olho clínico", aponta.
"Ele se esforçou muito para que cada detalhe fosse retratado da forma mais real possível. Mostrei para minha mãe e dava para ver um arrepio tomando conta dela, e ela disse: 'Isso é real. Isto é o que realmente aconteceu'. E ela acrescentou: 'Por que você mostraria algo assim? Por que você faz as pessoas vivenciarem algo tão terrível?'. Mas foi assim que soubemos que tínhamos feito o nosso trabalho", completou.