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Matérias / Ditadura Pinochet

As obras de Gabriel Garcia que enfureceram Pinochet

Apreensão teve justificativa revelada depois de ter sido inicialmente atribuída a "mau estado" dos contêineres

Luisa Alves, sob supervisão de Fabio Previdelli Publicado em 03/07/2022, às 08h00

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Gabriel García Marquez (esquerda) e Augusto Pinochet (direita) - Divulgação/Youtube/TV Brasil e Youtube/Ingen
Gabriel García Marquez (esquerda) e Augusto Pinochet (direita) - Divulgação/Youtube/TV Brasil e Youtube/Ingen

Quinze mil exemplares de 'A aventura Clandestina de Miguel Littín no Chile' de Gabriel García Marquezforam apreendidos no porto chileno de Valparaíso em 28 de outubro de 1986, sob a justificativa da imprensa local de que os contêineres que transportavam a carga estariam em mau estado. 

Os exemplares do livro que conta a difícil trajetória do cineasta chileno Miguel Littín para a gravação do documentário 'Acta Central Chile' ( 'Ato Central do Chile', em tradução livre), que denuncia o regime militar de Pinochet, deveriam ser entregues para Arturo Navarro, representante da editora 'Oveja Negra', responsável pela publicação dos livros de García Marquez, no país. No entanto, o destino acabou sendo outro, segundo aponta matéria da Folha de São Paulo.

Os livros de García Marquez

Navarro recebeu a notícia de que os livros haviam sido apreendidos somente duas semanas depois, através de uma mensagem deixada na secretária eletrônica de sua casa enquanto ele viajava para os Estados Unidos para visitar familiares. Seu despachante aduaneiro gravou a mensagem de alerta: "Arturo, me disseram que os livros foram queimados".

Arturo Navarro viajou para Valparaíso a fim de resolver o problema pessoalmente. Ele acreditou que a situação poderia ser um mal-entendido pela crença de um abrandamento da ditadura. Seu objetivo inicial era expor os livros em uma Feira do Livro de Santiago.

Quando chegou ao prédio militar, ao conversar com um militar de médio escalão, conseguiu extrair a informação de que os livros haviam sido incinerados. A versão da mídia foi mantida e ele, que já tinha presenciado a destruição de livros de perto quando trabalhava na editora Nacional Quimantú, buscava a razão da queima, já que por problemas nos contêineres, apenas a apreensão seria justificável.

Ele, então, fez denúncias perante a Câmara do Livro do Chile e convocou entrevistas coletivas para divulgação do caso, que repercutiu internacionalmente. Segundo ele, Pinochet quis a censura para que não vissem como o "fizeram de trouxa", já que em uma passagem do livro é exposto o fato de que Miguel Littín, disfarçado, passou despercebido pelo próprio ditador no Palácio de La Moneda

Países como Holanda, Grécia e Estados Unidos publicaram notícias sobre os livros queimados; e Arturo guarda recortes dos jornais sobre isso até hoje.

Na época, ele foi à embaixada colombiana, de onde os livros foram enviados do porto de Boaventura, onde conheceu Libardo Buitrago, cônsul colombiano. Foi então que uma carta assinada por John Howard Balaresque de 9 de janeiro de 1987, confirmou a queima dos livros pelos motivos de censura.

O documento encontra-se no Museu Nacional da Memória, no coração de Santiago, com o seguinte escrito: "As cópias de 'A Aventura Clandestina de Miguel Littín no Chile' foram queimadas como 'uma medida de censura prévia' sob o argumento de que o conteúdo 'transgrediu abertamente as disposições constitucionais'".

A aventura Clandestina de Miguel Littín no Chile

Desde o golpe que levou Augusto Pinochet ao poder em 1973, o cineasta Miguel Littín estava exilado. Ele retornou ao Chile 12 anos depois, em 1985, com o intuito de gravar um documentário intitulado 'Ato Central do Chile', secretamente. 

O livro conta os desafios enfrentados pelo cineasta para a gravação do filme que teve sua estreia no Festival de Veneza de 1986. O vencedor do Nobel de Literatura, Gabriel García Marquez, vai além em sua obra, expondo o "por trás das câmeras".

Um dos momentos decisivos para a apreensão dos livros, segundo Arturo Navarro, seria a passagem que descreve quando Miguel Littín se disfarçou de empresário uruguaio, encontrando com o próprio Pinochet no Palácio de La Moneda, sem ser reconhecido.

Miguel Littín chegou a filmar mais de 7 mil metros de película sobre a situação do país. A obra já havia sido publicada antes em capítulos pela revista Análisis, no Chile.