Em 1989, a Arquidiocese do Rio de Janeiro entrou na Justiça contra a escola comandada por Joãosinho Trinta. Mesmo assim, eles fizeram um dos maiores desfiles da história do Carnaval
“Em fevereiro (em fevereiro), tem Carnaval (tem carnaval)”, com esses versos a música País Tropical, de Jorge Ben Jor, se tornou um dos principais hinos de uma das maiores festas populares não só do Brasil como de todo o mundo.
Os desfiles e bloquinhos são tão populares que é comum as pessoas dizerem que o ano só começa de verdade depois de um final de semana de Carnaval. Entretanto, em 2021, esse clichê caiu por terra devido a pandemia do novo coronavírus.
Afinal, por conta do distanciamento social, toda a folia teve de ser suspensa ou cancelada. Apesar da casualidade, essa não é a primeira vez que o Carnaval não acontece como de costume. Em 1892, ele foi adiado para junho, motivado por problemas de infraestrutura e limpeza das ruas, que poderiam piorar os casos de febre amarela por aqui.
Já em 1912, ele foi adiado devido a morte do ministro das Relações Exteriores José Maria da Silva Paranhos Júnior, conhecido popularmente como Barão do Rio Branco. Fora isso, a festa superou até o surto de Gripe Espanhola, o que fez com que o Carnaval de 1919 fosse considerado “o maior de todos os tempos”.
Fora essas duas ocasiões, no ano de 1989, um desfile de uma escola de samba do Rio de Janeiro quase foi impedido de acontecer, desta vez, por um motivo bem mais peculiar: a escultura presente em um carro alegórico. Relembre o polêmico desfile da Beija-Flor.
O Carnaval anterior
O lendário carnavalesco Joãosinho Trinta estava inspirado em 1989. Não era pra menos, afinal, no ano anterior, a escola de samba Unidos de Vila Isabel, concorrente da Beija-Flor — cujo qual Joãosinho representava —, havia recebido muitos elogios pela estética rústica e luxuosa.
Isso o incomodou por duas coisas: a primeira, mais óbvia, seria a derrota pela concorrente; a segunda, seria elogios ao luxo em um país e, especialmente, uma cidade com tantos contrastes de desigualdade social.
O lixo e o luxo
Joãosinho, então, decidiu que faria um desfile no ano seguinte sobre o convívio entre o luxo e o lixo. Com inspiração em uma mendiga que viu em Londres — e considerou elegantíssima — até chegar na Broadway, após assistir o musical Les Misérables, o carnavalesco preparou um desfile que fosse capaz de chocar o público, tendo como personagem principal de seu samba os moradores de rua.
Interpretado por Neguinho da Beija-Flor, o refrão do desfile 'Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia' abordava a libertação noturna dos mendigos ao encontrarem o samba: “Sou na vida um mendigo/Da folia eu sou rei”. A construção no sambódromo era feita com fantasias recicladas simulando restos de objetos em desuso, divergindo com outra ala: a de personagem luxuosos, que representavam a elite.
A principal atração seria uma ideia do carnavalesco Laíla, em reunião com Joãosinho: um Cristo Redentor caracterizado como mendigo. “O país estava vivendo uma crise muito grande, na época. Eu falei para o João o seguinte: 'eu vejo um Cristo mendigo saindo de dentro de uma favela ou abraçando a favela para amenizar a dor do nosso povo'”, afirmou Laíla em entrevista para a Globo.
A escultura proibida e a solução polêmica
O gigantesco cristo, maior do que as arquibancadas da Sapucaí, já estava pronto, mas esbarrou com uma polêmica: a Arquidiocese do Rio de Janeiro conseguiu uma liminar na Justiça para vetar o uso da imagem do filho de Deus. Justamente, em um desfile que buscava incluir todos os menos favorecidos. A solução, entretanto, foi igualmente polêmica, idealizada por Joãosinho.
Coberto de sacos plástico de lixo, Jesus Cristo entrou na avenida completamente inacessível, mas seus braços abertos puderam ser facilmente compreendidos. Por cima dos sacos, uma gigantesca placa em resposta a Arquidiocese com os dizeres “Mesmo proibido, olhai por nós”. A imagem, televisionada em rede nacional, marcou a história do carnaval carioca.
No resultado, a Beija-Flor conseguiu 210 pontos e empatou com a Imperatriz Leopoldinense no primeiro lugar. A Imperatriz, com o samba-enredo de “Liberdade, Liberdade, Abre as Asas Sobre Nós”, conseguiu a vitória graças aos critérios de desempate.
Apesar de não ter levado o título, o desfile é considerado um dos maiores da história do Carnaval. O jurado Claudio Cunha, que tirou um ponto em evolução da Beija-Flor, afirmou em entrevista ao Extra, em 2011, que, ciente do empate, se arrependeu de não ter dado um 10, o que daria a vitória ao desfile dos mendigos.
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