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Matérias / Literatura

Lolita: Uma das obras mais infames do século 20

Publicado em 1955, o romance de de Vladimir Nabokov provocou indignação e repulsa ao mostrar a paixão de um adulto por uma pré-adolescente

Leandro Sarmatz Publicado em 28/10/2019, às 17h00

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Pôster do filme Lolita - Divulgação
Pôster do filme Lolita - Divulgação

Se hoje em dia a palavrinha praticamente está restrita a buscas perigosas em sites de pornografia, um dia esteve em todos os jornais. Foi escrita pela primeira vez em 1955, quando um até então obscuro escritor russo radicado nos Estados Unidos chamado Vladimir Nabokov (1899-1977) a usou para definir Dolores Haze, 12 anos, 1,48 metro. Aliás, Lolita. Lo. Li. Ta.

Lolita, o romance, talvez tenha sido a obra literária mais escandalosa do século 20. Provocou debates em tribunais, gerou incontáveis especulações biográficas sobre o escritor (que foi casado a vida inteira com a mesma mulher) e produziu farto material jornalístico no mundo todo. Cercou Nabokov de uma aura de escritor degenerado e popularizou as palavras ninfeta e lolita.

Motivo? O livro conta a história da paixão de Humbert Humbert — um discreto professor europeu de meia-idade — por uma sapeca pré-adolescente americana. Fascinado pela beleza imaculada das menininhas púberes, Humbert se afunda no lodaçal dos desejos proibidos. Seduz e se deixa seduzir por Dolores, encarnação infantil da mulher fatal. Para piorar as coisas, a menina é sua enteada. Juntos, empreendem uma viagem automobilística pela América das longas estradas e pelas camas de intermináveis motéis fuleiros.

Polêmica

Não há, nas cerca de 300 páginas de Lolita, uma única cena explícita. Claro que há diversas conotações sexuais. Classudo e irônico, Nabokov deixa nas mãos (e na cabeça) do leitor qualquer conclusão mais óbvia. Mesmo assim o livro fez um bocado de barulho, principalmente porque dava cara e nome à prática da pedofilia, comportamento poucas vezes explorado em obras literárias e que a sociedade fazia questão de manter bem debaixo do tapete.

Vladimir Nabokov nos anos 1960 / Crédito: Wikimedia Commons

Prevendo o escarcéu, nenhum editor americano quis publicar a obra. Depois de longa e infrutífera peregrinação pelas maiores editoras dos Estados Unidos, Lolita acabou saindo na França pela Olympia Press, provavelmente uma das editoras de "sacanagem" mais refinada da história. A História de O, de Pauline Réage, e O Almoço Nu, de William Burroughs, estes sim sexualmente explícitos, foram alguns dos romances publicados pela editora.

Essa primeira edição francesa de Lolita vendeu apenas 5 mil exemplares. O barulho ainda era pequeno. Pouca gente soube valorizar o livro. Até que o escritor britânico Graham Greene — autor de O Americano Tranquilo — desmanchou-se em elogios ao romance numa entrevista.

As palavras de Greene ecoaram nos ouvidos do editor de um tabloide que, ofendido com o teor do livro (que aparentemente não lera), denunciou-o nas páginas do jornal. Foi o que bastou para que o Ministério do Interior britânico recolhesse todas as cópias em circulação no país, além de pressionar os franceses para que banissem a obra. E assim o livro foi banido.

Sucesso e escândalo

Em 20 de dezembro de 1956, a polícia francesa recolheu todos os exemplares de Lolita e o livro permaneceu maldito na França por dois anos. Fazia companhia a outras obras que um dia também foram tiradas de circulação supostamente por ofenderem a moral e a família, como Madame Bovary e As Flores do Mal.

Quando saiu nos Estados Unidos, em 1958, Lolita fez história. Vendeu, apenas nas três primeiras semanas de lançamento, a soma de 100 mil exemplares (na época, somente E o Vento Levou — o livro — havia alcançado marca semelhante). Foi um sucesso e um escândalo.

Em plena Guerra Fria, o grande público considerava Nabokov apenas mais um russo pervertido querendo sacanear com os americanos com duvidosos costumes europeus. Os críticos babaram. Viam naquele insólito casal uma espécie de alegoria das relações entre Europa e América, a primeira apegada a valores antigos e decadentes, a segunda lépida, faceira e aberta às novas experiências oferecidas pelo mundo.

Pôster do filme Lolita / Crédito: Wikimedia Commons

Poliglota, Nabokov lia e escrevia bem em pelo menos três línguas: russo, inglês e francês. Jogava tênis. Era especialista em borboletas. Ensinava literatura em uma grande universidade americana. Um sujeito fino, em suma.

Com o escândalo, viu-se projetado da noite para o dia para o circuito mais pop: assinou contrato com o diretor Stanley Kubrick, que filmou Lolita em 1962, teve a vida destrinchada nas revistas populares da época, foi caluniado nos tabloides e amaldiçoado por pastores evangélicos, fez amizade com Hugh Hefner, fundador da revista Playboy, e virou até motivo de uma deliciosa piada do humorista Groucho Marx, que disse: "Vou esperar seis anos para ler Lolita, até que ela complete 18".

Lolita foi a glória e a miséria de Nabokov. Divulgado em escala planetária, o livro o transformou num homem rico (e infame, para alguns círculos mais tradicionalistas). Mas eclipsou, de certa forma, o resto de sua produção: poemas, ensaios, contos, outros romances e traduções de autores russos, uma série de trabalhos memoráveis e com um quê de aristocráticos.

O autor tinha plena consciência disso. Numa entrevista em meados da década de 60, declarou melancolicamente: "Lolita tem fama, eu não. Eu sou um romancista obscuro, duplamente obscuro, com um nome impronunciável".


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