“As pessoas devem parar de se concentrar nos sintomas do ódio, é como colocar um curativo no câncer. Temos que tratar até os ossos, o que é ignorância”, afirmou
Daryl Davis é um pianista estadunidense. Já tocou com alguns dos mais importantes artistas do país: Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e BB King, por exemplo. Explora muitos estilos musicais, e é um nato amante da música. Até aí, já seria uma grande história a ser contada. No entanto, em suas horas vagas, Davis faz algo impensável para afro-americanos: ele se torna amigos de membros da Ku Klux Klan.
Não é simplesmente uma curiosidade quase suicida que o faz realizar tais encontros. O pensamento por trás dessa aproximação já se demonstrava na vida do pianista ainda quando ele era uma criança, aos 10 anos de idade, quando foi acometido por um episódio de racismo.
“Eu estava em um grupo escoteiro e estávamos em um desfile quando as pessoas começaram a jogar pedras e coisas em mim. Não entendi por que as pessoas fariam isso e fiz uma pergunta: 'Como você pode me odiar quando nem me conhece?'”, explicou em entrevista ao The Guardian.
Para ele, a resposta de que “há pessoas que são simplesmente assim” não foi o suficiente. “O que significa ‘simplesmente assim'? De onde é que isso veio? Você não nasceu 'assim’. Eu estava curioso sobre o racismo desde então, mas mesmo assim ninguém parece responder à pergunta”, continua o músico.
O chamado
Os tempos passam, ele se torna músico e, nos anos 1980, começa a tocar em um grupo onde era o único integrante negro. Depois de uma apresentação, um homem branco o intercepta e diz: “Cara, eu gosto muito do seu piano. Esta é a primeira vez que ouvi um negro tocar piano como Jerry Lee Lewis. [...] Eu nunca ouvi nenhum homem negro tocar assim, exceto você”.
Mesmo que a raça tivesse sido usada para classifica-lo, Davis não se sentiu ofendido, em vez disso, tentou explicar ao homem que Jerry Lee Lewis havia aprendido a tocar com os negros. Ele não acreditou, mas convidou o músico para tomar alguma bebida em um bar.
"Sabe, essa é a primeira vez que me sentei e tomei uma bebida com um homem negro”, disse. A declaração foi procedida por uma indagação, que foi respondida apenas um longo momento de silêncio depois. “Sou membro da Ku Klux Klan", admitiu o americano, mostrando-o seu cartão de membro da Klan. Foi nesse momento que sua trajetória mudaria completamente.
A partir desse encontro, o músico começou a se envolver cada vez mais com a organização de supremacia branca. Participando de seus comícios e se tornando amigo íntimo de alguns dos membros, Davis tinha a intenção de tentar acabar com o racismo dessas pessoas por meio da educação e do conhecimento.
"As pessoas devem parar de se concentrar nos sintomas do ódio, é como colocar um curativo no câncer. Temos que tratar até os ossos, o que é ignorância. A cura para a ignorância é a educação. Você conserta a ignorância, não há nada a temer. Se não há nada a temer, não há nada a odiar. Se não há nada a odiar, não há nada ou ninguém a destruir”, explicou.
Ao longo dessa longa trajetória, escreveu o livro Klan-destine Relationships: A Black Man's Odyssey in the Ku Klux Klan (Relações klan-destinas: A odisseia de um homem negro na Ku Klux Klan, em tradução livre) (1998), protagonizou o documentário Cortesia Acidental (2016) e converteu pelo menos 200 membros da KKK — muitos klansman abandonaram a ideologia e deram suas vestes de capuz branco a Davis.
“Meu objetivo nunca foi convertê-los. Mas mais de 200 deixaram isso — os movimentos da supremacia branca, porque eu tenho sido o ímpeto para isso. Eu lhes dou informações. Eles pensam, processam e tomam sua própria decisão, preciso mudar minha maneira de pensar aqui. Eles se converteram. Eu sou apenas o canal para levá-los nessa direção”, disse em entrevista à rede televisa dos Estados Unidos PBS.
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