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Matérias / Ditadura militar

As histórias cruéis de crianças sequestradas por militares durante a ditadura

Durante os Anos de Chumbo, ao menos 19 crianças foram sequestradas pelos militares, conheça a história de algumas delas contada em 'Cativeiro sem Fim'

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 23/03/2025, às 09h00

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Rosângela Serra Paraná - Eduardo Reina
Rosângela Serra Paraná - Eduardo Reina

Os 21 anos que perduraram a ditadura militar no Brasil foram mais sombrios do que muitos imaginam. Nos chamados Anos de Chumbo, desde o Golpe de 64 até a redemocratização em 1985, pessoas foram perseguidas, torturadas, mortas e muitas estão desaparecidas até hoje

O debate voltou a ganhar discussão com o caso Rubens Paiva, por conta de 'Ainda Estou Aqui', mas é muito mais amplo. Eunice Paiva não foi a única mulher vítima do regime, outras também sofreram nas mãos dos militares — muitas pagaram até mesmo com a própria vida. 

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Capa do livro 'Cativeiro sem Fim' - Divulgação

As crianças também são vítimas esquecidas da ditadura. No auge do período, ao menos 19 deles foram sequestradas e adotadas ilegalmente por famílias de militares; ou de pessoas ligadas às Forças Armadas.

Suas histórias são contadas no livro "Cativeiro sem Fim" (Ed. Alameda), escrito pelo jornalista Eduardo Reina. Em entrevista ao site Aventuras na História, Reina explica que os sequestros faziam parte de uma tática de "domínio total do inimigo".

"Os militantes de esquerda eram considerados inimigos da pátria. Além de perseguir, prender, torturar, matar ou desaparecer essas pessoas, a estratégia dos militares era exterminar todos que estavam no entorno delas. Daí o sequestro de seus filhos, para que esses descendentes não pudessem difundir a ideologia dos pais", explica. 

Conheça abaixo a história de três crianças sequestradas pela ditadura e tiveram seu passado resgatado por Eduardo Reina

Rosângela Serra Paraná 

Um dos casos mais emblemáticos de sequestro de bebês por militares foi de Rosângela Serra Paraná. A menina foi sequestrada assim que nasceu: em algum lugar do Rio Grande do Sul ou do Rio de Janeiro. 

O seu ano de nascimento também é um mistério, mas sua certidão de nascimento, falsificada, indica o ano de 1963.

Certidão de nascimento falsa de Rosângela - Eduardo Reina

Rosângela foi entregue para Odyr de Paiva Paraná, ex-soldado do exército pertencente a tradicional família de militares. O pai de Odyr, Aracy, foi sargento, enquanto seu tio-avô, Manoel Hemetério Paraná, um médico que chegou ao posto de major e ex-superintendente do Hospital Geral do Exército em Belém do Pará. 

Odyr ainda trabalhou anos com o ex-presidente da República e general Ernesto Geisel, como motorista durante muitos anos no Rio de Janeiro. Ele também atuou na Petrobras e Ministério de Minas e Energia, ao mesmo tempo que tinha carteira de trabalho com registro de motorista em uma aviação na cidade do Rio de Janeiro. 

A exposição virtual 'Cativeiro Sem Fim', do Museu das Memórias (in)Possíveis, conta um pouco mais sobre a história de Rosângela, expondo que, quando ela era menor de idade, foi obrigada pela mãe sequestradora, Nilza da Silva Serra, a se prostituir para um homem chamado Wilson Rodrigues

O sujeito, cerca de 40 anos mais velho que ela, oferecia dinheiro para a família pela relação. Eles ainda foram casados e tiveram dois filhos. Rosângela foi vítima de abusos sexuais, físicos e psicológicos pelo marido, que tentou assassiná-la após o pedido de divórcio. 

"A Rosângela garota lembra-se de sofrer constantes castigos. Quando havia visitas na casa da família, era obrigada a ficar trancada no quarto ou no banheiro. Nunca a deixavam fazer as refeições junto de todos, comia separadamente, com o prato no chão em outro cômodo. Durante a semana, diz ela, Nilza a doparia com medicamentos para dormir. Chegava da escola, fazia a refeição e era obrigada a tomar um comprimido. Dormia a tarde toda e só acordava no início da noite. Assim que ingeria o remédio, ia para a frente da televisão. Conseguia assistir um pouco da programação, normalmente Vila Sésamo, e depois apagava", narra Eduardo em 'Cativeiro Sem Fim'. 

Rosângela só descobriu sobre sue passado durante uma discussão familiar em 2013. Hoje, debilitada fisicamente e emocionalmente, procura seus pais biológicos.


Giovani Viana da Conceição 

Era filho de Maria Viana da Conceição com o guerrilheiro Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão. Segundo Antonio Viana da Conceição, outro filho de Maria, o menino tinha entre quatro e cinco anos quando foi levado pelos militares. O sequestro ocorreu em 1973, na cidade de Araguaína, atual Tocantins. 

Osvaldão foi o mais emblemático guerrilheiro do Araguaia. Após entrar na militância comunista, foi para Praga, capital da extinta Tchecoslováquia, onde cursou até o terceiro ano da Faculdade de Engenharia Mecânica. 

Depois esteve na Academia Militar de Pequim, China, onde recebeu treinamento de guerrilha. De volta ao Brasil, teve a missão de iniciar a guerrilha de resistência à ditadura na região do Araguaia. 

A existência de Giovani também foi constatada pelo militar Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, hoje coronel da reserva do Exército e responsável pela caçada aos guerrilheiros do PCdoB a partir de 1973 no Araguaia. Giovaninunca mais foi visto e sua família já não tem esperança de vê-lo novamente.


José Vieira 

O agricultor Luiz Vieira foi morto pelas forças militares durante a guerra no Araguaia. Assim, seu filho, José Vieira,acabou preso com o guerrilheiro Piauí, então subcomandante do Destacamento A, em São Domingos do Araguaia, em 24 de janeiro de 1974. 

José foi levado para o quartel do Exército em Belém do Pará e depois deslocado para outro quartel na região do Araguaia. Lá, teve seu certificado de reservista elaborado pelo exército, com uma data de nascimento falsa — possibilitando que ele prestasse serviços militares como se tivesse 19 anos. Mais tarde, foi encontrado morando numa cidade do interior do Pará, Anapu. 

Quando encontrado por Eduardo Reina, resgatou a sua história e revelou detalhes sobre o ocorrido com ele e sua família durante a ditadura. Também apresentou os documentos do exército e contou a história de outros cinco filhos de camponeses que, como ele, também foram sequestrados quando eram adolescentes.


Juracy Bezerra de Oliveira 

Juracy tinha apenas oito anos quando foi sequestrado pelos militares no Araguaia, em 1972. Um ponto curioso sobre sua história é que ele foi levado por engano, visto que os militares pensavam que o menino era o verdadeiro filho do guerrilheiro Osvaldão.

"Antônio Viana e Juracy são protagonistas de um dos maiores erros das forças militares brasileiras nos combates da Guerrilha do Araguaia. A confusão ocorreu durante execução do plano de sequestrar o filho do guerrilheiro mais procurado no Araguaia, Osvaldão, Osvaldo Orlando da Costa, morto em 1974. Os agentes foram buscar um garoto e levaram outro, por engano. Além do filho de Osvaldão e Juracy, sequestram também outras duas crianças nessas operações", explica Eduardo no livro. 

Juracy Bezerra de Oliveira - Eduardo Reina

Juracy foi sequestrado em São Geraldo do Araguaia ou Xambioá (cidades vizinhas, separadas pelo rio Araguaia). O menino era filho de Maria Bezerra de Oliveira e Raimundo Mourão de Lira

Após seu sequestro, acabou levado para Fortaleza pelo tenente do exército Antônio Essílio Azevedo Costa, que o registrou em cartório como se fosse filho legítimo. Quando tinha cerca de 20 anos, Juracy voltou ao Araguaia em busca de sua mãe biológica. Atualmente ele vive numa ilha da região.