Em 21 de fevereiro de 1945, terminava o árduo conflito que se arrastara por 3 meses, na Itália
Enquanto o rigoroso inverno se aproximava dos Apeninos, que corta a Itália de norte a sul, o Alto Comando aliado estabelecia uma meta: a cidade de Bolonha deveria ser conquistada de qualquer jeito até o Natal. Para eles, o ano de 1944 havia sido bastante positivo no cenário europeu.
No leste, os soviéticos avançavam rápido e já combatiam próximos à fronteira alemã. No oeste, ingleses e americanos haviam finalmente conseguido realizar o desembarque na costa francesa, abrindo uma terceira e decisiva frente de combate contra o Reich. Conquistar Bolonha significaria manter sob pressão intensa o inimigo na península italiana, ao sul do território nazista.
Por outro lado, a abertura da frente francesa havia desfalcado o 5º Exército norte-americano no front italiano, comandado pelo general Mark Clark, e a presença de uma divisão inteira como a FEB era bem-vista pelos americanos, uma vez que o avanço pelas montanhas italianas exigiria um grande sacrifício, com a perda de muitos homens.
Em novembro, a divisão expedicionária brasileira estava praticamente completa, o que teoricamente a habilitava a ser empregada no esforço para romper a “Linha Gótica” alemã em direção a Bolonha.
Mas o abismo entre o treinamento recebido pelos brasileiros e a realidade da guerra também se fazia presente, como lembrou o veterano Newton Lascaléia, em depoimento ao historiador César Maximiano. “As únicas montanhas que eu tinha visto, de longe, no Brasil, foram o Pico do Jaraguá, em São Paulo, e o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. De repente, me vi lá dentro da cordilheira apenina no meio daquela vastidão de elevações enormes, enfrentando o começo de um inverno rigoroso. No nosso treinamento nunca se falou em montanha.”
Preparados ou não, os pracinhas foram escalados no final de novembro para atacar, ao lado dos norte-americanos, um conjunto de elevações que tinham como pontos principais o Monte Belvedere e o Monte Castelo. Aos brasileiros, cabia conquistar este último.
25 quilos nas costas
Para se ter uma ideia, em média, cada soldado carregava 25 quilos de equipamentos. Nos deslocamentos morro acima deveriam procurar abrigo atrás das rochas, uma vez que a vegetação havia sido devastada pelos intensos bombardeios.
E, como se isso não bastasse, no caminho eles deveriam livrar-se das minas – que, dependendo do tamanho, poderiam arrancar um membro ou mesmo desintegrar um homem –, dos bombardeios e das temíveis “Lurdinhas”, as eficientes metralhadoras alemãs, capazes de cortar um inimigo ao meio com apenas uma rajada.
Ao término da subida pela encosta do morro, os que conseguiam se aproximar das fortificações, casamatas e porões guarnecidos pelos alemães eram recebidos por uma bem-montada linha de metralhadoras, que também recebeu um apelido dos soldados: o “corredor da morte”, criado para impedir qualquer ataque frontal. Do alto do morro os defensores podiam controlar qualquer movimentação inimiga, tornando impossível o fator surpresa.
Essas desvantagens obrigaram os aliados a usar o expediente da queima de óleo diesel para dificultar a visão que os alemães tinham de todos os acessos aos cumes das elevações ocupadas por eles. “Na região de Monte Castelo tínhamos 24 horas de noite. O tempo todo tudo escuro por causa da fumaça”, conta o jornalista Joel Silveira, correspondente dos Diários Associados na campanha brasileira.
Ataque frustrado
A ideia de tomar o Monte Castelo foi frustrada no primeiro ataque, em 24 de novembro, por uma falha na combinação entre brasileiros e norte-americanos. O apoio de tanques, manobrados por estes, e artilharia mostrou-se insuficiente e os homens da infantaria que tentavam subir a elevação logo perceberam que seriam uma presa fácil para a chuva de chumbo que os alemães despejaram com seus morteiros, canhões e metralhadoras.
Aos atacantes cabia se defender não só dos tiros que vinham do próprio Castelo, mas também da barragem montada nos morros vizinhos, ainda que os americanos tivessem conquistado o Bevedere, localizado ao lado. Resultado: vitória alemã.
Cinco dias depois seria lançado um novo ataque, apenas com brasileiros. Foi a investida mais devastadora para a FEB. Foram empregados batalhões dos três regimentos, mas a expulsão dos norte-americanos do Monte Belvedere, seguida por um obstinado contra-ataque alemão, apanhou os pracinhas bem na subida.
Transformados em alvos, contabilizariam ao final da batalha 195 baixas, entre mortos, feridos e desaparecidos. Muitos dos corpos só seriam resgatados meses depois.
Em meados de dezembro, as condições do inverno europeu já se faziam presentes na montanha que vinha se convertendo em um mito para os pracinhas. A cobertura aérea, tão necessária para apoiar uma investida morro acima, era inviável. O nevoeiro que impedia a decolagem dos caças-bombardeiros também dificultava o apoio da artilharia. Mesmo assim, o comando decidiu tentar mais uma vez.
Entretanto, após a perda de mais 145 homens, a ordem de retirada foi emitida. O inverno, que tanto havia castigado os homens de Hitler nas planícies soviéticas, seria uma arma importante para imobilizar seus inimigos nas montanhas italianas.
No Natal de 1944, após as fracassadas tentativas de tomada do Monte Castelo, a FEB pôde vivenciar um pouco daquilo que fora a Primeira Guerra Mundial.
Sem a possibilidade de contar com um apoio preciso da aviação, por causa das nevascas, que também atolavam os tanques e convertiam as estradas em lodaçais intransponíveis até para a infantaria, a divisão brasileira se viu confinada aos foxholes (tocas de raposas) cavados no solo pedregoso e que cumpriam o papel de trincheiras.
“Pé de trincheira”
As ações militares naquele período limitavam-se aos duelos entre as artilharias, que castigavam até o quartel-general da FEB, localizado na cidade de Porreta Terme, a 30 quilômetros da linha de frente, e as patrulhas. Nelas, grupos que variavam de cinco a 30 homens tinham a incumbência de estabelecer algum contato com o inimigo, monitorando suas posições e deslocamentos.
Mas o grande adversário dos soldados naquele período era o frio, que podia chegar a 20 graus centígrados negativos. “O forte vento dos Apeninos trazia consigo a neve que se desprendia do solo, açoitando os rostos dos homens, a ponto de esfolar a pele e tamborilando os capacetes de aço como chuva de granizo sobre a capota de um carro. O frio era rigoroso a ponto de tornar insensíveis as mãos dos soldados após um curto tempo de vigilância num foxhole”, conta o ex-tenente José Gonçalves em suas memórias de guerra.
A isso se somava um terror comum na frente européia naquele período: o chamado “pé de trincheira” – a gangrena nos pés dos soldados, causada por umidade no sapato, que tinha como conseqüência a amputação dos membros inferiores.
Com o degelo no início de fevereiro, o comando aliado retomou o antigo projeto de alcançar Bolonha e as ricas cidades do vale do rio Pó, como Milão e Turim, o mais rápido possível. Para isso, foi montada a operação Encore (Retomada), uma ação conjunta de todas as forças disponíveis na península italiana para asfixiar as unidades nazi-fascistas.
A FEB tinha novamente sob sua incumbência tomar o traumático Monte Castelo. Nas três tentativas do ano anterior, os brasileiros haviam sofrido centenas de baixas, o que servira para abalar o moral da tropa. A quarta tentativa não poderia falhar de forma alguma.
Segundo relatou o falecido jornalista Joel Silveira, que acompanhou os combates in loco, “o general Mascarenhas de Morais, comandante das forças brasileiras na Europa, resolveu desacatar as orientações do comando norte-americano e empregou todas as unidades que tinha a sua disposição para o ataque”. Tomar Castelo tornara-se uma questão de honra, e o que os pracinhas não haviam conseguido em três meses, concluíram em pouco mais de 12 horas no dia 21 de fevereiro. O fantasma fora, finalmente, exorcizado.