O caminho foi marcado por mantimentos contaminados e infestações de ratos e piolhos. Na época, Dom João VI escreveu que estabeleceria-se no Rio de Janeiro para esperar a volta da "paz geral"
Foi em uma noite de 29 de novembro de 1807. As tropas do marechal francês Jean-Andoche Junot chegavam aos limites de Lisboa. Às margens do rio Tejo, formava-se um tumulto de 1,5 mil pessoas dentro dos navios ancorados. Elas iriam embarcar em uma fuga desesperada. Essa multidão era composta pela realeza portuguesa, por nobres e clérigos e por importantes figuras da sociedade lisboeta.
Aflitos, eles já aguardavam dois dias por ventos propícios que os levassem para longe das tropas napoleônicas. As embarcações lotadas transportavam um número de passageiros três vezes maior que o normal. Em uma esquadra com oito naus, três fragatas, dois brigues, uma escuna de guerra, uma charrua de mantimentos e mais de 20 navios da marinha mercante, espalhava-se a pesada carga que os ilustres fugitivos conseguiram salvar: moedas, jóias, roupas e tecidos caros e até mesmo peças de mobília foram empacotados.
Escoltados por navios de guerra britânicos, seus aliados e principais parceiros comerciais, enfim deixaram Lisboa de madrugada, momentos antes de a cidade ser tomada pelos franceses. Durante o embarque, em meio à loucura em que se transformou o cais, ouviram-se os gritos de dona Maria, a Louca, mãe do príncipe regente dom João VI, assim chamada por ter perdido a lucidez havia mais de 15 anos: "Deixem-me ficar que eu luto!".
Assim teve início a forçada migração da corte portuguesa para o Brasil, dando origem a uma série de acontecimentos fundamentais para a história de nosso país.
Dias antes, em 26 de novembro, dom João VI emitira um decreto explicando a fuga. Sobre a nova localização da corte, o texto dizia: "Tenho resolvido, em benefício de meus vassalos, passar com a rainha, minha senhora e mãe, e com toda a Família Real para os Estados da América, e estabelecer-me na cidade do Rio de Janeiro até a paz geral".
Para a monarquia portuguesa, a mudança representava a segurança territorial, mais a garantia de continuar explorando as riquezas brasileiras, fonte nada desprezível de sustento.
Os interesses da mudança
Essa história surgiu com o Tratado de Fontainebleau, assinado em 27 de julho de 1807 entre a França e a Espanha, conquistada por Napoleão. Os termos declaravam Portugal inexistente e dividiam seu território entre os conquistadores. Sua consolidação, contudo, dependia da operação militar empreendida pelo marechal Junot. A missão dele era tomar posse do país.
Apesar da decisão do monarca português de se mandar com a família para o Brasil, dom João VI poderia ter mobilizado seu exército para se defender das tropas napoleônicas. A primeira divisão do exército francês, que acampou nos arredores de Lisboa na noite do dia 29 de novembro, era composta por menos de 10 mil homens. Todos estavam famintos e esgotados, alguns doentes e outros ainda descalços e com as armas quebradas. Para a surpresa deles, tomaram Lisboa sem resistência popular.
O que Portugal fez para tentar impedir a invasão, meses antes, foi se manter neutro no embate entre o império francês e a Inglaterra. Napoleão exigia que Portugal prendesse os ingleses que morassem no reino e declarasse guerra - o que estava fora de cogitação. Portugal era uma nação dependente economicamente dos britânicos e de seus produtos manufaturados. Para preservar a monarquia, os portugueses preferiram então mudar para o lado dos ingleses.
Em 22 de outubro de 1807, um mês antes da fuga, o príncipe regente e o rei Jorge III, da Grã-Bretanha, acertaram o apoio da marinha inglesa à transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil. Em troca, a Grã-Bretanha ganhava o direito de ocupar a ilha da Madeira.
A ida da corte para o Brasil não foi um projeto pensado de última hora, apesar do desespero lusitano. Além de ser um ato de salvação da monarquia, foi também uma hábil manobra comercial da Inglaterra. Os ingleses sabiam que a transferência da família real portuguesa permitiria a expansão comercial para o mercado do Atlântico Sul.
O estabelecimento da sede da monarquia por aqui criou as bases para a independência e a centralização do poder. "As regiões formadas no processo de colonização se realinharam diante de um governo central estabelecido", explica Márcia Berbel, professora do departamento de história da Universidade de São Paulo.
"A força da ligação dinástica marcou os projetos políticos nesse momento de crise e se perpetuou com a permanência do príncipe herdeiro e a formação do Império do Brasil." Houve mudanças geradas nas estruturas administrativa e social do país.
O monarca, que estabelecera na colônia o Reino Unido a Portugal e Algarves, voltou a Portugal em 1821 - já com o império napoleônico derrotado. No Brasil, a elite agrária dos proprietários de terra pressionou dom Pedro, filho de dom João VI, a romper definitivamente com Portugal - o que garantiu o êxito de nossa independência.
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