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Matérias / Civilizações

Egito e Mesopotâmia: 6 importantes diferenças entre os dois impérios do Oriente

Duas das principais áreas do desenvolvimento da civilização e dois dos maiores impérios que fizeram história — mas eles não eram iguais

André Nogueira Publicado em 19/01/2020, às 09h00

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Estátuas de Ramessés II em templo egípcio - Getty Images
Estátuas de Ramessés II em templo egípcio - Getty Images

O Egito e a Mesopotâmia fixaram seu lugar de relevância nos livros de História, pois os dois lugares são tidos como contemporâneos pioneiros das sociedades complexas, os primeiros grupos a se unirem para além do modelo tribal, formando um Estado, níveis de sociabilidade, hierarquias, escrita, sistemas de distribuição de água e outras inovações sociais relevantes.

Porém, mesmo ambos sendo resultado dos processos do fim do neolítico no Crescente Fértil, cada sociedade se formou a partir de suas experiências singulares e histórias específicas. Conheça 6 diferenças essenciais entre essas duas sociedades famosas.


1. O Ciclo das Águas

Canal hídrico na Mesopotâmia / Crédito: Wikimedia Commons

Uma característica que marca ambas as sociedades é o fato de que elas nasceram em desertos cortados por rios, criando uma necessidade de canalização das vias fluviais para a irrigação para a agricultura. Porém, os ciclos dessas águas eram diferentes, fornecendo desafios distintos para cada sociedade. 

No Egito, as águas do Nilo se movimentavam em compatibilidade com o ciclo dos grãos. A cheia do rio ocorria pouco tempo depois da época da colheita, inundando a margem e fertilizando o solo com a matéria orgânica do fundo. O retorno das águas ocorria pouco tempo antes da necessidade de plantio das sementes, de acordo com as melhores condições climáticas.

Enquanto isso, na Mesopotâmia a relação se inverte: antes da colheita, o rio inunda e o solo não passa pela inundação fertilizante na época do plantio. 

Isso faz com que as duas sociedades desenvolvam formas diferentes de construção de aquedutos. O Egito focou na maximização das capacidades dos recursos naturais, enquanto as comunidades mesopotâmicas tiveram que investir mais em transposição de águas e fertilização do solo.


 2. Relação do monarca com os deuses

Detalhe do Código de Hammurabi, em que Shamash concede poder ao rei / Crédito: Louvre

Essa diferença é muito importante. É sabido que na relação dos egípcios com seus deuses, o faraó assume a posição de deus e governante em terra. Ao contrário, na mesopotâmia, por mais que o poder fosse deificado, o rei não era um deus. 

Isso ocorre porque existem relações diferentes entre a cosmogonia religiosa desses grupos com a instituição política desenvolvida por eles. Para os mesopotâmios, o rei é um representante das vontades dos annunaki (deuses grandes do panteão), sendo responsável pela boa administração da ação dos homens por uma missão encarregada a ele pelos deuses.

É muito diferente do Egito, em que a linhagem dos deuses caminha em direção a uma relação genealógica direta entre o deus e o rei. Com isso, filho de um deus, o faraó é um deus também, mas que reside na terra e manda nas forças humanas que pertencem aos deuses. Segundo essa mitologia, o faraó era um descendente de sangue do faraó dos deuses Hórus, filho de Osíris, antigo senhor do mundo, além de ser protegido pelo deus Amum-Rá. 


3. Unidade territorial

Outra diferença relevante aparece quando entramos no quesito da unidade do território por parte da coroa. O Egito é marcado pela unificação generalizada do território que envolve o vale do Nilo, em que o faraó, em pessoa, é dono de duas coroas (do Alto e do Baixo Egito) que o fazem mandatário de toda a região do Egito.

Enquanto isso, na Mesopotâmia, em geral, o quadro é reverso. Na maior parte do tempo, o território da mesopotâmia é composto por uma variedade de reinos e comunidades, que disputam entre si o território num sistema que lembra mais uma malha retalhada de línguas e coroas, que um império unificado como era o Egito.

É claro que essas afirmativas têm um cunho mais geral. Por três períodos (conhecidos como "períodos intermediários"), o reino unificado do Egito se dissolveu em instituições políticas mais fragmentadas. Ao mesmo tempo, a Mesopotâmia já foi palco de Impérios unificadores que expandiram por seu território, como a Acádia de Sargão, a Babilônia de Nabupolassar e a Assíria de Assurbanipal. Mas via de regra, o Egito é marcado pela unidade enquanto a Mesopotâmia pela fragmentação.


4. Tipos de escrita

Cuneiformes / Crédito: Wikimedia Commons

Em alguns aspectos, a escrita no Egito e na Maesopotâmia são parecidas. Ambas são baseadas em um alfabeto fonético e não marcam as vogais na palavra. Porém, as particularidades de cada sistema se destacam.

No Egito, temos os famosos hieróglifos, sistema baseado em pequenos ícones associáveis a figuras da realidade e que formam seu sentido a partir da relação entre enunciação dos termos e o nome do ser que aparece como imagem. Enquanto isso, o cuneiforme mesopotâmio é composto de figuras menos delimitadas, passando por um processo de abstração das figuras e baseando a marcação da escrita em três formas de cunha (a vertical, a horizontal e a aberta).

Hieróglifos / Crédito: Wikimedia Commons

Isso implica em alguns detalhes: enquanto na Mesopotâmia há um movimento de abstração dos signos que compõem o "alfabeto", no Egito, a escrita é, ao mesmo tempo, palavra e imagem. Em ambas as sociedades, as imagens não são simples representações do que retratam, mas são também a presença ontológica do ser que aparece fixado pela imagem.

Como o cuneiforme possui signos abstratos, isso não é problemático, mas como o hieróglifo envolve imagens, existe uma relação mágica e mística entre representação e escrita, em que as imagens dos glifos são também aquilo que representa, mas vivo. Existem textos em tumbas, por exemplo, em que palavras que possuem o signo que parece uma cobra eram abreviadas para que não se desenhasse uma cobra na cova do faraó, impedindo a existência de uma cobra no salão onde ele iria viver a eternidade.


5. Imagem dos deuses

Outra diferença clássica entre as comunidades. Os deuses egípcios são muito famosos por serem zooantropomórficos, enquanto os deuses na mesopotâmia possuem forma humana. Mais do que só estilos diferentes, isso possui significados relevantes.

No mundo mesopotâmico, a hibridez é tida como elemento, em muitas vezes, negativo. Muitos demônios e seres inimigos de deuses são colocados nas histórias como seres híbridos entre dois animais ou entre animal e homem. Quanto mais afastado da figura elementar humana, mais próxima às forças do caos (pois é sempre presente na religião desses impérios a relação entre Ordem e Caos) as forças particulares desse ser são quando transparecidas pela imagem.

Enquanto isso, os egípcios fazem de seus deuses principais criaturas híbridas entre humano e animal. Sendo eles também entidades ligadas à proteção da Ordem, no caso egípcio a hibridez não aponta ao caos, mas sim à essência do mundo natural. Os animais, mais próximos à normalidade natural dos rios, por exemplo, se tornam elementos de agregação de valor que fazem da zooantropomorfia um aspecto de destaque para os deuses mais importantes, normalmente associados a animais próprios dos lugares cujos elementos se associam a esse deus (como por exemplo, a relação caça-gazela, água-garça, etc.).


6. Relação com a morte

Necrópole do tipo Saqqara, forma premeditora das pirâmides / Crédito: Wikimedia Commons

Nesse quesito, as duas sociedades são completamente opostas. Enquanto no Egito existe um culto à vida após a morte, a ponto de basearem a vida em terra na produção dos preparativos morais e materiais do pós-morte, na Mesopotâmia a morte é colocada num ponto de insignificância e insalubridade que não cria um culto à morte.

No limite, todos conhecem os resultados do culto à morte pelos egípcios. Um deles é a construção das pirâmides. Segundo a mitologia egípcia, quando você morre, Anúbis fará seus preparativos para embalsamar seu corpo e possibilitar a sua vida eterna, a partir do local em que se é sepultado (durante um período, as pirâmides). Para tanto, o deus pesará seu coração e descobrirá a qualidade de suas ações em vida.

Por isso, no Egito, túmulos, obras funerárias e a literatura sobre o assunto são elementos constantes na sociabilidade das pessoas, culminando na monumentalização das obras funerárias. Até o Segundo Império, esses elementos eram particulares aos faraós. Depois, se expandiu essa noção para toda a sociedade.

Na Mesopotâmia, é ao contrário. Ao invés de um culto à vida eterna, é colocado que a vida em terra é o tempo de produção e prazer que se tem, e depois disso, não há mais graça ou energia. Uma dos mais famosos textos do período, A Epopeia de Gilgamesh, traz uma descrição do espírito de Enki-du, ao voltar do Eresh (o mundo dos mortos), descreve a vida pós morte: as coisas não têm sabor, a vida não tem energia, as coisas não acontecem e só há monotonia e inação.

Uma péssima experiência. Por isso, não se cria um culto à morte. Os funerais não passam de enterramentos na areia com poucas regalias e procedimentos religiosos, mesmo para as esferas mais poderosas da sociedade. Se preza a vida na terra e se negligencia o pós-morte. 


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