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Matérias / China

Há 75 anos, era fundada a República Popular da China

A proclamação da República Popular da China, em 1º de outubro de 1949, marcou uma virada decisiva e transformadora na história do país

Luiza Lopes Publicado em 01/10/2024, às 08h00

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Mao Tsé-Tung proclama a criação da República Popular da China - Wikimedia Commons via Domínio Público
Mao Tsé-Tung proclama a criação da República Popular da China - Wikimedia Commons via Domínio Público

Em 1º de outubro de 1949, o líder comunista Mao Tsé-Tung proclamou a criação da República Popular da China, um evento que alterou drasticamente a política e a sociedade do país. 

A vitória comunista no conflito contra o Kuomintang (KMT) encerrou décadas de guerra civil, invasão estrangeira e instabilidade interna, inaugurando uma nova era de governança na China. 

Após a fundação da República, o Partido Comunista Chinês (PCCh) passou a consolidar o controle político sobre um território vasto e fragmentado, reorganizando a estrutura estatal e promovendo uma revolução social que transformou a vida de milhões de chineses.

Desafios

“Em 1950, com cerca de quinhentos milhões de habitantes, a China estava destruída. Suas ferrovias e rodovias encontravam-se sem condições de uso. As indústrias, além de poucas e atrasadas, encontravam-se inoperantes. Grande parte da colheita de outono havia se perdido e os estoques tinham sido transportados pelas tropas do Guomindang em fuga”, afirma Wladimir Pomar no livro “A Revolução Chinesa”.

O país, isolado e “à beira da anarquia”, enfrentava altos índices de desemprego. A prioridade do novo governo comunista foi restaurar a economia, combater a inflação e criar as condições para o desenvolvimento.

No campo, a Lei de Reforma Agrária redistribuiu 47 milhões de hectares entre camponeses, melhorando suas condições, mas a fragmentação das terras e o uso limitado de técnicas modernas mantinham a produtividade baixa. Isso levou à emergência de práticas de cooperação para enfrentar os camponeses mais ricos, que se beneficiavam de suas antigas redes mercantis, apontou o autor.

Apesar da luta contra o capital, os comunistas entenderam que precisariam conviver com a economia capitalista e individual por um tempo. No entanto, a burguesia tentou explorar a inflação herdada do regime anterior, especulando com mercadorias.

Segundo Pomar, em resposta, o governo estabilizou os preços ao armazenar grãos e forçar a venda dos capitalistas. Isso enfraqueceu a burguesia, que, sem capital, teve de se submeter aos termos estatais. 

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Mao Tsé-Tung em 1966 / Crédito: Wikimedia Commons via Domínio Público

Plano Quinquenal

Após restaurar a economia ao nível pré-guerra e controlar a burguesia, o governo chinês lançou o primeiro Plano Quinquenal em 1953 para promover a industrialização. No entanto, o processo foi dificultado pelo bloqueio econômico das potências mundiais e pela fragilidade da União Soviética. A industrialização dependia do trabalho excedente de camponeses e operários, gerando insatisfações devido à queda de renda, compressão salarial e falta de bens de consumo.

De acordo com Everaldo de Oliveira Andrade no artigo “Revolução Chinesa”, a economia socializada avançou rapidamente, com grande parte da indústria pesada sob controle do Estado e uma reforma agrária em andamento.

A propriedade social foi dividida em propriedade estatal e coletiva, e a gestão das empresas seguiu três categorias: grandes indústrias geridas pelo Estado, pequenas empresas urbanas comunitárias e empresas rurais nos distritos e comunas.

Em 1955, o governo implementou a coletivização da terra, formando cooperativas que englobaram 96% dos camponeses. O rápido desenvolvimento industrial superou as expectativas, mas gerou tensões devido ao sacrifício exigido dos trabalhadores, destacou Andrade

Embora a produtividade tenha quadruplicado entre 1949 e 1959, os salários aumentaram apenas 52%, criando insatisfação. A nova classe operária, embora apoiasse a revolução, passou a questionar o monopólio do poder do Partido Comunista, culminando em greves em Cantão e Xangai em 1956.

Para desviar a atenção dos problemas econômicos, Mao Tsé-Tung lançou o movimento "Que cem flores desabrochem", incentivando a autocrítica. No entanto, o movimento se expandiu para além do controle oficial, com estudantes lutando contra a burocracia e clamando por maior democracia socialista, segundo Pomar.

Em 1957, o PCCh reprimiu o movimento, enviando líderes a "campos de reeducação" e reforçando a burocracia governamental. A repressão se intensificou, resultando em greves, protestos e abandonos de cooperativas, além de um processo de retificação interna que atingiu intelectuais críticos, considerados "direitistas e contra-revolucionários". Essa situação evidenciou a crescente tensão entre os trabalhadores e o governo, além da falta de canais democráticos amplos para diálogo.

O Grande Salto

Em 1958, durante o segundo Plano Quinquenal, o PCCh lançou o "Grande Salto Adiante", que buscava duplicar a produção de aço e unificar cooperativas agrícolas em comunas populares. 

Com a mobilização de milhões de camponeses e trabalhadores urbanos, cada comuna organizava brigadas de produção para promover a igualdade, mas a descentralização inicial levou a uma nova centralização e à descoberta de que os dados de produção estavam inflacionados, resultando em aço de baixa qualidade e caos nos transportes.

Entre 1959 e 1960, desastres naturais e uma base produtiva inadequada provocaram fome em algumas regiões, levando ao fracasso do "Grande Salto" e ao reavivamento do debate sobre o socialismo na China, ainda segundo Pomar.

A ruptura com a União Soviética em 1960, após a retirada de técnicos soviéticos, forçou ajustes econômicos e a retomada das atividades agrícolas. As políticas de "três liberdades" e "uma garantia" ajudaram a mitigar a crise, mas geraram críticas internas, levando ao movimento de educação socialista em 1963 e a intensas disputas ideológicas dentro do Partido Comunista.

Internacionalmente, a China enfrentou conflitos territoriais e tensões nucleares, respondendo com apoio a movimentos revolucionários e testando com sucesso uma bomba nuclear em 1964. 

Em 1966, a organização de um fórum literário por Lin Biao e Jiang Qing denunciou uma "linha anti-socialista", precipitando a Revolução Cultural e a publicação dos "dezesseis pontos", que estabeleceram a revolução permanente como fundamento da construção do socialismo na China.

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Mao Tsé-Tung discursa para alguns dos seus seguidores em 1944 / Crédito: Getty Images

Revolução Cultural

A Revolução Cultural foi regida pelo documento “Resolução dos 16 pontos”, que defendia que a identificação e destituição dos elementos que seguiam a “linha capitalista” e aqueles que difundissem a ideologia burguesa na academia e na cultura. 

Segundo Cristiane Soares de Santana no artigo “Notas sobre a História da Revolução Cultural Chinesa (1966-1976)”, esse processo contou com a participação dos Guardas Vermelhos, os quais surgiram na cena política chinesa e passaram a exercer um papel de grande importância. 

“A Guarda Vermelha era formada por estudantes secundaristas e universitários cuja origem era operária ou camponesa. Eles promoveram uma forte atividade de propagação da Revolução Cultural por toda a China, incentivando o combate contra a reprodução de práticas ditas burguesas”, destacou. 

Dessa forma, “a Revolução Cultural impôs um novo ritmo de vida à população chinesa, onde a tentativa de construção do socialismo estava diretamente associada à imagem de um ‘homem novo’, que serviria ao povo e aprenderia com as massas para promover um verdadeiro processo de transformação na sociedade”.

Soares ressaltou que a experiência da Revolução Cultural tornou-se um processo complexo, impulsionado por estudantes e trabalhadores que extremaram as ideias maoístas sobre a transformação do capitalismo. 

No entanto, a principal limitação desse movimento foi a compreensão equivocada das relações de produção no país. Essa falha levou a não percepção de que as contradições dentro do Partido e do aparato estatal representavam oposições entre classes sociais, ligadas à falta de transformação das relações de produção capitalistas, e não se restringiam a conflitos políticos.

“Tal interpretação acabou fazendo com que a Revolução Cultural Chinesa passasse a ser lembrada como uma fase repleta de excessos e marcada por sessões de autocrítica, expurgos partidários, humilhações em público, espancamentos e pela reeducação, a qual era vista como uma forma de recuperar os cidadãos chineses dos seus “desvios” de conduta política para o socialismo”, ressaltou a autora. 

Além disso, para Soares, tais dificuldades teóricas e práticas citadas anteriormente acabaram promovendo a desarticulação dessa experiência singular de tentativa de construção do socialismo na China

“A Revolução Cultural Proletária estendeu-se até 1976, no esforço já limitado de revolucionarização das relações de produção. Com a morte de Mao Tsé-Tung, em setembro de 1976, o Bando dos Quatro foi destituído, julgado e condenado pelos excessos cometidos durante a Revolução Cultural. Deng Xiaoping retornou ao poder, o assumindo oficialmente na Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em dezembro de 1978, dando início a uma nova era da história da China”, afirmou.