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Matérias / Frank Meier

Frank Meier: O esquecido barman do Ritz que ajudou a resistência francesa

Quando a Alemanha ocupou a França, na 2ª Guerra, o Ritz de Paris continuou funcionando, sendo frequentado pelos nazistas e tendo um barman judeu

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 10/03/2025, às 18h00

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Frank Meier, barman do Ritz (à esq.) - Collection Ritz Paris
Frank Meier, barman do Ritz (à esq.) - Collection Ritz Paris

Entre maio de 1940 e dezembro de 1944, a Alemanha nazista passou a ocupar a França. Ainda assim, o Hotel Ritz permaneceu aberto. Logo, o bar do hotel passou a ser frequentado pela alta patente militar nazista. 

O bar do Hotel Ritz era conhecido pelo refinamento, típico francês, muito por conta do ilustre barman Frank Meier. Meier, porém, escondia um segredo que ninguém jamais poderia descobrir: ele era judeu

O barman do Ritz ainda teria ajudado na luta da Resistência francesa, passando identidades falsas para outros judeus; ou até mesmo servido como mensageiro para oficiais nazistas que planejavam assassinar Hitler

"Frank Meier foi o barman do Ritz durante a Segunda Guerra Mundial, por isso foi o primeiro espectador deste estranho balé em quatro anos. Ele ouviu, observou e tentou salvar a pele. Assaltado pela angústia e pelo remorso, mas também pelo desejo de agir, tentou atravessar a noite do século 20 da forma que foi possível", diz Philippe Collin, autor do romance 'O Barman do Ritz de Paris' (Ed. Record) em entrevista à AH.

Formado em História, com Mestrado dedicado a estudar o período do expurgo dos colaboracionistas durante a Libertação da França, Collin ainda apresenta podcasts de temática histórica, como o 'Face à l’histoire', da France Inter, com cerca de 20 milhões de ouvintes.

A dualidade do Ritz

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O Barman do Ritz de Paris - Ed. Record

Philippe Collin explica que o Hotel Ritz teve um contexto muito especial durante a Segunda Guerra Mundial, afinal, seus proprietários eram suíços — neutros ao conflito —, portanto, decidiram não fechar o local quando as tropas alemãs ocuparam a França. 

"O Ritz é o único cinco estrelas que permaneceu aberto sob a ocupação nazi, e torna-se um local estranho onde se monta um teatro de sombras, no qual nos deparamos com oficiais alemães, espiões, colaboradores franceses, cortesãs, combatentes da resistência", contextualiza

Esses personagens, reunidos no mesmo endereço, transformam o Ritz num microcosmo da França ocupada".

O pesquisador aponta que o Ritz hospedou dignitários nazistas entre 1940 e 1944. "Joseph Goebbels passou alguns dias lá em 1940, Reinhardt Heydrich provavelmente alguns dias em 1942, mas quem realmente ficou lá foi Hermann Göring, número 2 do Terceiro Reich. Ele tinha um quarto reservado". 

Em contrapartida, os combatentes da Resistência francesa, embora não estivessem hospedados no Hotel, certamente tinham espiões que iam jantar e tomar uma bebida no bar do Ritz, comandado por Frank Meier

"Acrescentemos [no livro], porém, que certos atos de Hans Elmiger, diretor interino, ou certas ações do casal Auzello, o diretor e sua esposa, revelam a Resistência. Além disso, Blanche Auzello foi presa três vezes pela Gestapo entre 1940 e 1944".

Muitos pesquisadores, inclusive, acreditam que o plano de 20 de julho para assassinar Hitler — orquestrado pelos oficiais Hans Speidel e Carl von Stülpnagel — teria sido planejado dentro do Ritz. 

Em 20 de julho ocorreu um atentado na Toca do Lobo (a Quartel General Secreto de Hitler na Prússia Oriental) que planejava matar Hitler com um explosivo escondido em uma maleta. Mas a explosão da bomba causou apenas ferimentos no Führer e a tentativa do golpe culminou com um expurgo da Wehrmacht.  

Mas o que se sabe sobre o atentado? Ele realmente tem ligações com o Ritz de Paris? "Em primeiro lugar, é preciso dizer que a conspiração contra Hitler foi fomentada em Berlim, entre outros, pelo coronel Claus von Carl von Stülpnagel", aponta Philippe.

Na operação, ele associou oficiais da Wehrmacht estacionados em Paris para assumir o controle do comando SS na França. Esses oficiais superiores iam frequentemente ao Ritz, daí a possível ideia de que o bar de Frank Meier poderia ter sido um ponto de encontro desses conspiradores", continua. 

O autor aponta que não se sabe qual foi o possível papel do barman em torno da trama. "Inga Haag, uma contra-espiã alemã, afirmou ter usado Frank Meier como caixa de correio, mas não há provas disso. O resto fica por conta da imaginação do romancista", brinca. 

O barman judeu 

Quando se fala no Ritz de Paris, prontamente nos lembramos do escritor norte-americano Ernest Hemingway. Um frequentado assíduo do local. Uma das lendas que cercam o Ritz é que Hemingway teria, com um rifle automático na mão, expulsado os últimos nazistas do local antes mesmo da 2ª divisão blindada do General Leclerc entrar em Paris. 

Fotografia de Ernest Hemingway - Domínio Público

O ato heroico, porém, é mais um mito do que um fato, mas que ajuda a construir toda a mística do local. Assim como o próprio Frank Meier, austríaco de nascença que lutou pela França na Primeira Guerra e se recusou a deixar o país após a ocupação nazista. 

A própria figura de Frank tem suas próprias nuances e peculiaridades, como sua possível origem judaica. "Nos arquivos alemães, Frank Meier é descrito como anti-alemão. E num arquivo francês de 12 de agosto de 1941, constata-se que Frank Meier é vítima de uma investigação policial, sem dúvida por instruções da Gestapo". 

"Uma investigação onde está escrito que Frank Meier seria católico, com o uso do modo condicional porque não podem provar e então se pode ler que ele não está registrado no dossiê especial judeu, ou seja, foram verificar se Frank estava recenseado como judeu em Paris. O que nos ensina que Frank poderia ser considerado judeu pela polícia francesa e pela Gestapo. Uma situação extremamente perigosa para Frank". 

Acrescentemos que se vários elementos sugerem que ele poderia ter sido judeu, na realidade é impossível provar que ele era judeu, nenhum documento o certifica, por isso como romancista tenho liberdade para jogar com esta ambiguidade".

Tão enigmático quanto seu passado foi o futuro de Frank Meier. Sabe-se que ele morreu em 1947, mas a causa é desconhecida. Ele está enterrado no cemitério de Pantin, perto de Paris”. 

"Frank foi afastado do Ritz, sem dúvida, em 1945, sem que se saiba bem os motivos. O homem que foi um dos barmen mais famosos do mundo na década de 1930 desapareceu da memória após a sua morte".

Ainda assim, Philippe Collin aponta que todos os barmen da Place Vendôme conhecem o seu nome e ainda hoje tentam perpetuar o espírito que Frank Meier incutiu no bar Ritz: um local requintado, festeiro e elegante. Um lugar cosmopolita e muito mais que um bar, é uma visão de mundo. 

"Se passei tanto tempo com Frank Meier nos últimos anos é por dois motivos. Em primeiro lugar, sou muito sensível à sua origem social, ele ascendeu socialmente e é um caminho que ressoa em mim. Depois, sempre me perguntei que atitude teria tido sob a ocupação nazi na França e através do retrato de Frank Meier tentei mostrar a extrema complexidade desta situação e que ninguém pode saber, 80 anos depois, que atitude ele teria adotado", finaliza.