Em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, os advogados e mestres em Direito, Daniel Hudler e Claudiane Gouvea, explicaram o que este entendimento jurisprudencial aborda
No mês passado, foi divulgado através do portal de notícias UOL que Christian Cravinhos, um dos condenados pelo bárbaro assassinato dos pais de Suzane Von Ritchtofen, pediu a exibição nacional da série Investigação Criminal, que retrata o assassinato, fosse impedida.
O veículo relatou que Christian declarou ter 'direito ao esquecimento'. Como consequência, a série deveria ser censurada. Além disso, ele também pediu uma indenização de 500 mil reais diante do fato da produção ter usado 'fotografias não autorizadas'. Contudo, a relatora Penna Machado não acatou o pedido e reforçou que o caso é de interesse público.
Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o direito ao esquecimento, sob alegação de ser incompatível com a Constituição Federal. De acordo com o órgão de cúpula do Poder Judiciário, o exercício da liberdade de expressão e de informação é primordial para a sociedade.
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”, alegou o portal do STF.
No Brasil, um caso que ficou muito conhecido foi o de Aida Curi, que em 1958 foi brutalmente assassinada no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Na época, segundo o laudo dos legistas, a jovem de 18 anos foi submetida a uma sessão de torturas, incluindo agressões e tentativa de estupro. Três homens foram condenados pela morte da jovem. O crime evidenciou, ainda, a cultura de estupro e feminicídio no país.
Recentemente, a família da vítima entrou com um recurso pedindo o direito ao esquecimento do caso. De acordo com a Agência Brasil, a defesa alegou que relembrar o caso na imprensa causa dores aos parentes de Aida Curi.
“No julgamento, a maioria dos ministros seguiu voto do ministro Dias Toffoli, relator do processo. No entendimento de Toffoli, o pretenso direito ao esquecimento não é compatível com a Constituição. Segundo o ministro, a liberdade de expressão não perde seu valor ao longo do tempo”, publicou a Agência Brasil.
Pensando nisso, o site Aventuras na História convidou os advogados e mestres em Direito, Daniel Hudler e Claudiane Gouvea, para debater sobre este assunto.
De acordo com os especialistas, o Brasil não possui uma lei do direito ao esquecimento, o que existe, na verdade, é um entendimento jurisprudencial, ou seja, tese jurídica que ganhou bastante visibilidade internacional em 2014 no caso Google vs Agência Espanhola de Proteção de Dados e Maria González, relatado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
“O direito ao esquecimento pretende tutelar aspectos da personalidade da pessoa humana — como a honra, imagem e intimidade — por meio do impedimento da divulgação de fatos e dados, ainda que tais informações sejam verdadeiras e obtidas de forma lícita, a fim de alcançar o esquecimento social”, explicou Daniel Hudler.
Segundo Claudiane Gouvea, trata-se de uma ideia central de que um determinado indivíduo pode solicitar a retirada de um conteúdo que seja associado ao seu nome ou a sua imagem.
A especialista explicou que a tese assegura que uma pessoa não tenha um momento de sua vida exposto. A advogada disse, ainda, que o recurso pode ser aplicado quando houver invasão à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem de um indivíduo.
Conforme o artigo 220 da Constituição Federal, é assegurada a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação. Recentemente, o ministro Marco Aurélio, declarou que os veículos de comunicação têm o dever de retratar a verdade.
“Sem dúvida nenhuma, existem diversos argumentos contrários ou favoráveis ao tema, porém o principal ponto de conflito quanto à aceitação do direito ao esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação”, alegou Claudiane Gouvea.
Do ponto de vista de Daniel Hudler, existem casos e casos. Para ele é fundamental o acesso à informação para o processo histórico-cultural de compreensão e significação coletiva de fatos. Por outro lado, ele alertou sobre o perigo de matérias sensacionalistas.
“Nesse sentido, o jornalismo exerce papel de destaque como meio de divulgação desses fatos. Afinal, o que seria da história se não pudéssemos identificar, divulgar e debater sobre atos, nomes e informações de algozes do Holocausto, como Adolf Eichmann, Josef Mengele e Rudolf Höss? Por outro lado, enquanto advogado, também vejo a injustiça na possibilidade de exploração sensacionalista de fatos. Por isso, embora seja totalmente favorável à liberdade de informação, entendo importante ponderar cada caso. Nenhuma lei, regra ou princípio poderá ser considerado absoluto”, ressaltou o especialista.
Conforme ambos os advogados explicaram, a Constituição Federal não garante o direito ao esquecimento. Entretanto, é possível encontrar embasamento constitucional sobre a temática nos artigos 1°, III e 5°, X da Constituição Federal.
Na opinião de Daniel Hudler, existem casos específicos, como os que envolvem vítimas de estupro. Para ele, nessas situações, a justiça poderia repensar o direito ao esquecimento.
“Com muitas ressalvas e de forma pontual, acredito cabível em caso de uma vítima de estupro que não quer sua intimidade seja exposta de forma vexatória e abusiva. Um devedor que já adimpliu seu débito e continua com seu nome sendo veiculado indevidamente, atingindo sua honra. Um crime de pequena repercussão social após décadas do cumprimento da pena, divulgada com a foto da pessoa, que atinja sua imagem”, disse ele.
Já para Claudiane Gouvea, este entendimento jurisprudencial deve ser exercido quando houver invasão à privacidade, à intimidade, à honra, à imagem, à liberdade de expressão, de comunicação e de informação de uma determinada pessoa.
“A lesão direta à honra, imagem e personalidade enseja o direito a uma reparação; já o direito ao esquecimento deve ser muito bem ponderado e empregado com extrema cautela para não prejudicar o importante processo de construção histórico-cultural de fatos relevantes para a sociedade, promovido pelo direito à informação”, completou Daniel Hudler.
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