Com o título de “Frank Sinatra está resfriado”, artigo de 55 páginas se tornou um exemplo do Jornalismo Literário
Em novembro de 1965, Las Vegas seria o destino que reuniria Gay Talese e Frank Sinatra. Bom, pelo menos era assim que as coisas deveriam acontecer. Enviado a serviço da revista Esquire, editada por Harold Hayes, Talese tinha a missão de entrevistar um dos maiores ícones musicais do século 20 — um homem que mantinha toda a elegância de um smoking mesmo na época em que os Beatles revolucionavam o cenário musical do mundo com seu estilo mais despojado.
Tudo já estava combinado, Hayes contatou Gay para fazer um especial que celebraria uma das maiores vozes americanas, que estava prestes a chegar na aclamada, e preocupante, idade de ouro.
A comemoração seria marcada por uma série de projetos que colocaria respeito até mesmo nas mais jovens estrelas do pop. Como relembra matéria do Air Mail, Frank já tinha contrato assinado para produzir dois especiais televisivos, além de lançar álbuns novos e participar de um filme. A matéria da Esquire completaria tudo isso. Entretanto, ao chegar ao seu alvo, Talese se deparou com um sério problema: “Frank Sinatra está resfriado”.
A solução encontrada, não só estampou diversas páginas da revista, como também moldou e influenciou o chamado Jornalismo Literário. Determinado a cumprir sua missão, Gay Talese, apesar do percalço, conseguiu escrever um perfil de Sinatra, mesmo que em sua apuração jamais tenha trocado uma palavra se quer com o artista.
O jeito encontrado para isso foi falar com mais de 100 pessoas na órbita do cantor, se informando sobre o séquito de funcionários e assistentes do artista, o que incluía seu assessor de imprensa Jim Mahoney e até mesmo uma pequena senhora de cabelos grisalhos que, de acordo com ao Air Mail, ganhava cerca de 400 dólares por semana para cuidar da coleção de perucas de Sinatra.
Com isso, conheceu não só a essência de um artista, mas também uma face que dificilmente seria revelada em um bate-papo direto. Por exemplo, viu um cantor que odiava a impessoalidade em suas relações, que tinha um temperamento forte e um grande grau de exigência em sua carreira, mas que também era muito generoso, fazendo questão dele próprio comprar os presentes de natal para seus funcionários.
Afinal, ninguém mais do que ele sabia dos gostos pessoais de cada um deles, que em muitas vezes enxergam no artista um palco para ouvir suas queixas e ganhar valiosos conselhos.
Em troca, ele só exigia o mesmo respeito que tratava todos e a dedicação total em seu trabalho.
Talese, até então, via Sinatra não só como um cantor sublime de jazz, mas também como uma figura capaz de atrair todos os holofotes.
Ainda assim, apesar de toda sua singularidade e jeito de durão, havia sido derrubado pela mais rotineira e comum das enfermidades. “Sinatra com um resfriado é como Picasso sem tinta, ou uma Ferrari sem combustível — só que pior”, descreveu em seu artigo.
Hoje, 55 anos depois, “Frank Sinatra está resfriado” é considerado um ponto alto do New Journalism, uma escrita digna de frequentar o Hall da Fama das reportagens, tornando Talese um exemplo vivo de como histórias podem ser contadas de maneiras espetaculares a partir de pontos de vista que jamais imaginaríamos que pudesse sair algo — o que é normal para um jornalista que preferia muito mais relatar o cotidiano de um desconhecido do que falar da vida de uma celebridade, motivo pelo qual seu livro “Fama & Anonimato” se tornou célebre.
“Ganhei mais observando-o, ouvindo-o por acaso e observando as reações das pessoas ao seu redor do que se realmente pudesse me sentar e conversar com ele”, declarou o jornalista certa vez, como recorda matéria da GQ.
Ao todo, Gay Talese demorou 10 semanas e teve uma despesa de cerca de 5 mil dólares para reportar e escrever o artigo de 55 páginas — derivado do que ele descreveu como uma "crônica de duzentas páginas" — sobre o cantor norte-americano.
Na edição do 70º aniversário da Esquire, em outubro de 2003, os editores declararam a peça a "Melhor História de todos os tempos" já publicada pela revista. Já a Vanity Fair a chamou o artigo de "a maior história de não ficção literária do século 20".
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