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Matérias / Ainda Estou Aqui

'Ainda Estou Aqui': Relembre o assassinato de Rubens Paiva

Cassado após o Golpe de 64, Rubens Paiva foi detido em sua casa em 20 de janeiro de 1971; levao ao DOI, seu corpo jamais foi encontrado desde então

Fabio Previdelli
por Fabio Previdelli
[email protected]

Publicado em 11/11/2024, às 19h00

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Rubens Paiva, do PTB - Divulgação/Memórias da Ditadura
Rubens Paiva, do PTB - Divulgação/Memórias da Ditadura

Recém-chegado nos cinemas brasileiros, 'Ainda Estou Aqui' narra a história de Eunice Paiva — uma mulher que enfrentou a violência dos Anos de Chumbo da ditadura militar e passou a vida em busca de Justiça sobre a morte do marido, Rubens Paiva.

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Deputado cassado, Rubens foi preso e torturado em 1971; o que deixou Eunice responsável por cuidar de seus cinco filhos. O longa viaja pela trajetória da matriarca da família Paiva, que ainda lutou contra o Alzheimer na parte final de sua vida.

'Ainda Estou Aqui' é uma adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do casal, que tinha apenas 11 anos quando seu pai foi levado de sua casa. Passado mais de 50 anos, o assassinato de Rubens Paiva segue sendo um dos mais conhecidos crimes da Ditadura Militar. Relembre!

A história de Rubens

Nascido em Santos, no litoral paulista, em 26 de dezembro de 1929, Rubens Beyrodt Paiva se formou em engenharia civil pela Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1954.

Na faculdade, Rubens Paiva se tornou militante do movimento estudantil, presidiu o Centro Acadêmico e foi vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (a UEE-SP).

Em 1962, se tornou deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fazendo parte da CPI que investigou o IPES-IBAD (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática) por financiar palestrantes e escritores que propagaram alerta sobre a "Ameaça Vermelha" no Brasil, recorda a Agência Brasil.

Após o Golpe de 1º de Abril de 1964, Rubens Paiva fez um discurso na Rádio Nacional criticando Ademar de Barros, governador paulista que apoiou a tomada militar, e convocou os estudantes para lutar pela liberdade e democracia.

Rubens Paiva
Rubens Paiva - Arquivo Nacional

Depois do Ato Institucional Número Um (AI-5), implantado em 10 de abril daquele ano, acabou sendo cassado. Rubens Paiva, que vivia em São Paulo com a família, se exilou na Iugoslávia e França por um ano, antes de retornar ao Brasil. Agora para morar no Rio de Janeiro.

A prisão

Em 20 de janeiro de 1971, Rubens Paiva foi detido em sua casa por agentes do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) — que invadiram a residência armados e sem mandado de prisão. Rubens Paiva não ofereceu resistência. O ex-deputado foi encaminhado para uma unidade militar para depoimento e jamais foi visto depois disso.

Importante ressaltar que, naquela época, Rubens Paiva não tinha ligações com a luta armada. O pretexto para sua prisão, recorda a Folha de S. Paulo, se deu por conta de cartas destinadas a ele que tinham sido apreendidas com duas mulheres que vieram de Santiago, no Chile, até o Brasil.

A Veja complementa apontando que as forças militares suspeitavam que Paiva tinha contato com um homem identificado como 'Adriano' — que seria o codinome usado por Carlos Lamarca (guerrilheiro e um dos homens mais procurados da época).

Detalhes sobre a prisão e o que aconteceu com Rubens Paiva só foram descobertos durante a Comissão da Verdade, estabelecida na gestão de Dilma Rousseff, em 2014.

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Segundo relatório da CNV, Rubens foi levado até o Destacamento de Operações de Informações (DOI), onde foi torturado e morto cerca de 24 horas depois. Provavelmente no mesmo dia do assassinato, Eunice também foi presa e detida no local por 12 dias. Ela foi levada de sua casa com a sua filha Eliana, que tinha apenas 15 anos na época e ficou detida por horas.

Exigindo saber a verdade sobre o marido, Eunice descobriu, depois, que ele havia sido morto, mas as circunstâncias ainda eram um tanto quanto nebulosas.

A versão oficial do Exército dizia que guerrilheiros haviam interceptado a viatura na qual Rubens Paiva era transportado. Nesta versão, ele teria sido sequestrado após uma troca de tiros e levado até um local desconhecido.

Mas o relatório da Comissão da Verdade informa que os militares chegaram a montar uma farsa para corroborar com a versão — eles criaram até mesmo a simulação de um tiroteio em uma estrada na zona oeste do Rio; onde o veículo foi encontrado incendiado e metralhado.

Eunice e Rubens Paiva ao lado da família - Arquivo pessoal

Documentos do Exército apontam que o carro de Rubens Paiva chegou a ser devolvido à família semanas depois, embora testemunhas relatarem terem ouvindo Rubens ser torturado. A versão 'oficial' nunca foi aceita pela família!

Em busca da verdade

A família de Rubens Paiva só recebeu seu atestado de óbito em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que havia sancionado a Lei dos Desaparecidos; além de receber na Justiça o direito a uma indenização.

Entre 2012 e 2014, a Comissão da Verdade ajudou a esclarecer alguns pontos da morte de Rubens Paiva. Apesar da Lei da Anistia, militares da época foram chamados para depor sobre o caso.

Raymundo Ronaldo Campos, que era capitão durante a ditadura militar, relatou ter recebido uma ordem de operação para simular a fuga de Paiva.

Era um Fusca. Paramos num lugar ermo, saltamos do carro, metralhamos o carro, tocamos fogo no carro, e chamamos os bombeiros e a polícia", recordou, dizendo ter aceitado cumprir as ordens por medo de retaliação.

Já o coronel reformado Paulo Malhães, que acabou falecendo em 2014, relatou que os restos mortais de Rubens Paiva foram enterrados na praia, na Barra da Tijuca, mas depois foram retirados de lá.

Isso teria sido feito pelo fato dos militares temerem que os restos mortais fossem descobertos. Assim, eles teriam sido arremessados em alto mar cerca de dois anos depois da morte do ex-deputado.

A Comissão da Verdade também ouviu o depoimento de dois militares que relataram que Antonio Hughes de Carvalho, falecido em 2005, participou de sessões de tortura de Rubens.

Desde 2014, cinco ex-militares são acusados pelo homicídio e ocultação de cadáver de Rubens Paiva: José Antônio Nogueira Belham; Jacy Ochsendorf e Souza; Raymundo Ronaldo Campos; Jurandyr Ochsendorf e Souza; e Rubens Paim Sampaio — sendo que os três últimos já faleceram.

O ministro Alexandre de Moraes pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o julgamento, que chegou ao Supremo Tribunal Federal em 2014 e não foi movimentado até o fim de 2018.

Os advogados de defesa dos militares apontam que o processo não pode seguir adiante por conta da Lei da Anistia, enquanto o Ministério Público Federal entende que por se tratar de um crime contra a humanidade, os réus estão imunes a anistia e o crime não tem tempo para prescrever — visto que o Brasil é signatário de convenção internacional, portanto, impede que homicídio qualificado por tortura tenha tempo de expiração.

Além disso, a acusação aponta que a prescrição e a anistia não abrangem o crime de ocultação de cadáver, visto que o corpo de Rubens Paiva jamais foi encontrado.