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Matérias / Brasil

1968: O ano que mudou a história do Brasil

Entre protestos, canções, amores e repressão, o Brasil viveu um ano de revoluções culturais e políticas cujos ecos ainda moldam a sociedade atual

Edvaldo Silva* Publicado em 12/11/2024, às 16h00 - Atualizado em 16/11/2024, às 12h44

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Martin Luther King, capa do disco 'Tropicalia ou Panis et Circencis' e foto de Marighella - Domínio Público e Divulgação
Martin Luther King, capa do disco 'Tropicalia ou Panis et Circencis' e foto de Marighella - Domínio Público e Divulgação

Em meio às efervescentes mudanças sociais e culturais que marcaram o mundo pós-Segunda Guerra Mundial, o ano de 1968 se destaca como um marco fundamental, não apenas nacionalmente, mas em escala global.

As ondas de protestos que eclodiram em países como França, Estados Unidos, Tchecoslováquia e Brasil refletiram uma insatisfação crescente dos jovens de todo mundo com o status quo e um desejo por transformações profundas. Essas manifestações transcenderam o momento em que ocorreram, deixando um legado que influenciou as décadas seguintes e cujas repercussões ainda ressoam na sociedade contemporânea.

Baseando-se nas pesquisas que deram origem ao meu novo romance chamado '1968: Centelhas Sob Palha Seca', lançado pela Editora Serendipity, exploro neste artigo como os movimentos do período trouxeram impactos profundos nas esferas política, cultural e social no Brasil e como esses acontecimentos ainda reverberam até hoje em nosso país.

Contexto global e o despertar da consciência coletiva

O ano de 1968 fora marcado por levantes que reivindicavam mudanças estruturais, liberdade e justiça social. Nos Estados Unidos, o movimento pelos direitos civis, as manifestações contra a Guerra do Vietnã e o assassinato de Martin Luther King foram eventos que escancararam as tensões raciais e a oposição às políticas imperialistas.

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O líder Martin Luther King Jr. - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons

Na Europa, a juventude francesa tomou as ruas em maio, pedindo uma sociedade mais justa e menos opressiva. Na Tchecoslováquia, a Primavera de Praga representou um esforço em direção à autonomia política e cultural em meio à repressão soviética.

Esses eventos estavam ligados por um fio condutor comum: a busca da juventude por liberdade e direitos sociais, que, para muitos, significava romper com as estruturas hierárquicas, questionar os valores conservadores e abrir novos caminhos para a expressão individual e coletiva. O Brasil, embora inserido em um contexto específico, foi profundamente impactado por esse movimento global.

Arte, cultura e a luta contra a censura nacional

No Brasil, 1968 foi um ano marcado pela intensificação da ditadura militar, instaurada em 1964. Sob um regime que controlava rigorosamente as liberdades civis e políticas, a juventude brasileira encontrou na arte e na cultura maneiras de expressar sua insatisfação e oposição ao autoritarismo. O movimento Tropicalista, por exemplo, reuniu músicos como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa, que mesclavam elementos da cultura popular brasileira com influências estrangeiras, criando uma estética subversiva que desafiava as normas vigentes.

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Além da música, o teatro e o cinema também desempenharam papéis fundamentais. O Teatro de Arena e o Cinema Novo propunham uma crítica social que explorava as contradições da sociedade brasileira e denunciava as injustiças sofridas pelas camadas mais vulneráveis da população.

Cena do longa 'Terra em transe', de Glauber Rocha - Divulgação/Difilm

Artistas como Zé Celso Martinez Corrêa, Glauber Rocha e Augusto Boal, através de obras inovadoras, enfrentaram a censura e conseguiram, em parte, captar a inquietação de uma juventude que ansiava por liberdade de expressão e justiça social.

A violência do Estado e o AI-5

O ápice da repressão no Brasil aconteceu em dezembro do ano de 1968, com a promulgação do Ato Institucional Número 5 (AI-5), que concedeu poderes absolutos ao regime militar, fechando o Congresso Nacional, restringindo direitos civis e estabelecendo uma censura ainda mais rigorosa.

Para muitos, o AI-5 simbolizou o fim de qualquer possibilidade de diálogo entre o governo e os movimentos sociais, levando muitos jovens a abraçar a luta armada como forma de resistência.

Antiga fotografia de Carlos Marighella - Domínio Público

Entre os que se opuseram ao regime, destacam-se figuras como Carlos Marighella e os grupos que buscaram criar uma resistência armada contra o autoritarismo. Essa repressão brutal não apagou, contudo, os ideais de liberdade, igualdade e justiça social que continuaram a inspirar gerações subsequentes.

O legado para a sociedade contemporânea

As transformações que eclodiram em 1968 tiveram impactos duradouros para a História. Muitos dos valores promovidos naquele ano — como a busca pela liberdade de expressão, os direitos das minorias e a luta contra a opressão — continuaram a reverberar, moldando as décadas que se seguiram e influenciando os movimentos contemporâneos.

Nos anos 1980, durante a abertura política e o processo de redemocratização, muitos dos ideais de 1968 ressurgiram com força, inspirando os movimentos pela Anistia, Diretas Já e as lutas por direitos humanos e justiça social. Além disso, o movimento feminista e o movimento negro, que começaram a ganhar voz e visibilidade nos anos 1970, também beberam da fonte de 1968 e fortaleceram suas pautas, lutando contra o racismo estrutural e a desigualdade de gênero no Brasil.

Ainda hoje, muitos dos ecos de 1968 podem ser observados nos movimentos sociais e nas discussões políticas contemporâneas. A luta por uma educação de qualidade, os protestos por melhores condições de trabalho e as manifestações em defesa dos direitos das minorias — todos esses aspectos refletem, em maior ou menor grau, o legado das transformações culturais e sociais daquele período.

Em um mundo cada vez mais conectado e consciente das desigualdades globais, a herança de 1968 continua a alimentar as aspirações por um futuro realmente inclusivo.

O ano de 1968 foi um ponto de inflexão na história do Brasil e do mundo. Através de movimentos culturais e sociais, uma geração inteira ousou desafiar o autoritarismo e questionar as estruturas de poder vigentes, deixando um legado que transcende seu tempo e influencia gerações até os dias atuais.

Ainda que muitos dos problemas enfrentados naquela época persistam, os ideais de liberdade, igualdade e justiça social continuam vivos, movendo os jovens de hoje a lutar por mudanças e a manter acesa a chama de 1968. Essas 'Centelhas Sob palha Seca', ainda ardem, aquecendo o sonho de um mundo mais justo e livre.


Edvaldo Silva* é mestre em Artes e Multimeios pela UNICAMP e pós-graduado em Publicidade pela ECA/USP. Com uma carreira de sucesso em empresas como FOX Latin American Channels (Canais Disney), o Portal Terra (Grupo Telefônica), e a gigante latino-americana dos aplicativos para celular Movile (Naspers Group), ele foi Presidente do Comitê de Ad Tech & Data do Interactive Advertising Bureau.

Edvaldo Silva e capa do livro '1968: Centelhas Sob Palha Seca'- Divulgação

Na literatura assina o livro 'Da Válvula ao Pixel – A Revolução do Streaming', voltado à área de Publicidade e lançado no Brasil e em Portugal pela Editora Atlântico. Estreou na ficção com 'Além da Fumaça', que foi Menção Honrosa no Latino Book Awards 2023 e finalista do Prêmio ABERST. 1968: 'Centelha Sob Palha Seca' é o segundo romance histórico do autor.