Em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, ex-presidente da Comissão da Verdade fala da militarização enraizada em nossa história
Torturado durante a Ditadura Militar, Adriano Diogo viveu tempos de incertezas antes de presidir a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo — Rubens Paiva, em 2011.
Após ser detido durante a Operação Bandeirantes e ficar incomunicável, sozinho, durante 90 dias, em uma cela-forte, onde foi recebido por Carlos Alberto Brilhante Ustra, sabia que se sobrevivesse só teria uma única certeza: lutar por justiça.
“Desde o dia que eu saí da prisão, eu nunca mais parei de lutar contra a ditadura; pela preservação dos direitos humanos; pelos outros presos que ficaram nas prisões; pelos assassinatos que ocorriam contra a juventude na periferia”, diz em entrevista exclusiva à equipe do site do Aventuras na História.
Para Diogo, presidir a Comissão da Verdade, anos depois, foi um dos mais importantes momentos de sua vida. “Tenho muito orgulho, foi um dos trabalhos mais significativos da história do Brasil”, comemora.
Agora, entretanto, quando o Golpe Militar acaba de completar 57 anos, ele possui uma visão um tanto quanto cética sobre a atual política brasileira e de como nós evoluímos durante essas quase seis décadas. “É evidente que as coisas mudaram, mas nem sempre as coisas mudam para melhor”.
Para Adriano, “o Golpe de 64 também é consequência de um período histórico” que muitos países da América do Sul viveram. Após 21 anos de censuras e repreensões, ele passou a ver nossa sociedade com uma maior “normalidade democrática”.
“A partir de 2016, houve a deposição da presidenta Dilma e, por consequência, houve a ascensão do então vice-presidente da República, Michel Temer, e depois a eleição do Bolsonaro”, relembra. Em comparação a esses dois períodos ele enxerga algumas semelhanças.
“O golpe de 64 foi uma ruptura, uma interrupção. Nesse período houve cinco generais que foram presidentes da República, cada um com suas características. E agora nós temos mais uma vez um militar na Presidência da República, que caminha celeremente a passos largos pretendendo instalar um regime autoritário no país”, opina.
Apesar de entender que vivemos outros tempos, com outras pessoas de ideais e modo de agir diferentes, Adriano não enxerga algo que possa nos dar uma perspectiva otimista, muito pelo contrário, “parece que estamos caminhando para uma nova forma de ditadura ou de regime autoritário”.
“Essas coisas que estão ocorrendo no Brasil, são terríveis. Se você levar em consideração a pandemia e o jeito que ela está sendo tratada, como sua consequência passamos a ver a perda de direitos; a pobreza da população; o caos; tudo isso fixado em um discurso ultraliberal com uma forma autoritária de dirigir o país”.
Para Adriano Diogo, a ideia de que muitas pessoas não acreditam ou aceitaam que o Golpe de 64 foi tão severo quanto revelado passa pelo fato de que o país possui uma história militar. “Praticamente, os marcos, principalmente no século 20, são de história militar, desde a Proclamação da República até ascensão de Getúlio Vargas, com o movimento tenentista. O próprio governo do Getúlio foi muito militarizado”.
“Depois que acabou a Segunda Guerra, apesar do Getúlio ter sido deposto, ele acabou sendo substituído pelo general Eurico Gaspar Dutra; depois ele voltou democraticamente, mas morreu no suicídio provocado pelos militares de aeronáutica. E dez anos depois veio o golpe de 64”, completa.
Adriano diz que os militares se consideram o elemento de tutela do Estado republicano. “Eles se consideram a eminência parda do Estado republicano. E toda vez que eles sentem uma necessidade imperativa, por diversos motivos, eles intervêm”.
Porém, explica, esse pensamento acontece desde muito antes do Golpe. “Na Guerra do Paraguai, que é um dos marcos fundamentais do fim do período imperial, que começou com o Duque de Caxias e terminou com o conde D’Eu — que era um conde estrangeiro da Casa Imperial —, onde foi feito um dos maiores massacre da história da América Latina, também foi marcada por essa marca militar do Brasil”.
Para Adriano Diogo, isso se deu ao fato de o Brasil não ter tido uma formação da República nos mesmos moldes da América Espanhola. “Aqui, em 1822, nós estávamos implantando uma monarquia, com uma casa portuguesa com forte influência francesa e austríaca”.
Porém, enquanto isso, como explica, a América Latina já vivia em tempos de luta, que não só acabaram com a escravidão como também criaram os estados nacionais. “Aqui não, isso aqui foi retardado em 100 anos. Cem anos de escravidão, de atraso, de mutilações”.
“Estes cem anos de atraso não foram corrigidos. Nunca mais se conseguiu. A escravidão no Brasil acabou em 1889, por causa da pressão internacional da Inglaterra. Senão tivesse acabado a monarquia, nós teríamos entrado no século 20 com a escravidão. Foram 400 anos de escravidão, de trabalho escravo e de genocídio dos povos indígenas”, diz.
Esse passado revisionista que coloca em prova a situação dos escravizados e até mesmo suas consequências para o racismo estrutural de nossa sociedade, aconteceu, segundo Diogo, pelo fato de que nunca fizemos um processo revisional sobre nossa história.
“O período da monarquia, desde a chegada de Dom João até a saída da família real, é uma coisa que não tem relatos. Por exemplo, você vê uma coisa com a Guerra dos Canudos, como o Contestado, das coisas terríveis que ocorreram no território nacional e, ainda assim, prevalece a história oficial”, contesta.
“Você aprende uma história idílica e já definida, que foi escrita em Portugal, praticamente, como um romance. É tudo segmentado, você só aprende o lado doce da história do Brasil, que eu acho que é uma coisa atrasada”.
Por isso, ressalta, que o trabalho feito na Comissão da Verdade é tão importante para a história brasileira. “As comissões da verdade foram os primeiros processos revisionais da história do Brasil. Por isso que os militares que se aproveitaram do golpe de 64 tem tanto horror de ouvir falar nelas”.
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