Lançado em 1967, o longa de Glauber Rocha ganhou dois prêmios no Festival de Cannes e é considerado um retrato atemporal
"A culpa não é do povo”, insiste Sara, quase em desespero. “Mas [o povo] sai correndo atrás do primeiro que lhe acena com uma espada ou uma cruz”, responde Paulo. A cena se passa em meio a um comício carnavalesco e caótico, uma das sequências do filme de Glauber Rocha, que ganhou dois prêmios no Festival de Cannes.
Sara (interpretada por Glauce Rocha) é uma militante de esquerda, que tenta arrancar o poeta Paulo Martins (Jardel Filho) do mais profundo desencanto com as utopias. Ele já concluiu que o povo, “ignorante e analfabeto”, é incapaz de se erguer contra os que o oprimem — não passa de retórica nos embates políticos, marcados pelo populismo.
Esse poeta, protagonista do longa 'Terra em Transe', é um Hamlet, imobilizado pela angústia, que hesita entre o conchavo e a revolução. Mas também entre seu herói de infância, o senador Porfírio Diaz, e o governador Vieira, que lhe parece solução mais necessária ao momento socioeconômico.
É justamente nas diferenças entre essas duas alternativas que mora a maior atualidade do filme lançado em 1967. A polarização política, no longa, tem simetria assombrosa com a campanha eleitoral que você viu recentemente no Brasil.
Diaz (Paulo Autran) é um parlamentar de extrema-direita, ultraconservador associado a um grupo religioso, que aparece repetindo bordões como “a família é sagrada”. Vieira (José Lewgoy) é o líder associado à esquerda, reformista, mas também paternalista, e dotado de um pragmatismo descarado em nome da “governabilidade”.
Um assessor o lembra disso: “temos de escolher entre as bases eleitorais e os compromissos”. Que pactosseriam esses? Vieira deixa claro: “fazendeiros financiaram parte da minha campanha”. O que se vê parece uma antecipação de um Brasil das chapas Lula-Alencar e Dilma-Temer, e dos expoentes neofascistas, agora no poder. Mas não. Porque o país já era assim. Só não foi essa dicotomia populista em raros períodos ou quando a ordem foi o silêncio imposto. Quando não havia política, enfim.
Revolucionário na forma, influenciada pelas vanguardas narrativas da Nouvelle Vague, 'Terra em Transe' também foi original no discurso, desagradando na época tanto à direita quanto à esquerda. Com sua linguagem convulsiva, de um cinema poético e que faz pensar, Glauber Rocha criou o retrato mais atemporal da nossa distopia.
Alexandre Carvalho é jornalista e criou, em 2005, a revista de cinema Paisà. É autor dos livros ‘Inveja – Como ela mudou a história do mundo’ (2015) e ‘Freud – Para entender de uma vez’ (2017).
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