Autor assumiu várias licenças poéticas para romantizar a descoberta
Se o Brasil tem 'A Primeira Missa' de Victor Meirelles, que mostra o momento do descobrimento, o resto da América tem o quadro do espanhol Dióscoro Teófilo Puebla y Tolín, retratando quando Cristóvão Colombo pisou na ilha de San Salvador, atuais Bahamas, a primeira parada de sua estadia por cinco meses no Caribe, levando à Europa a notícia de um novo continente.
Algo que o próprio navegador passou o resto da vida negando, afirmando ter chegado à Ásia. O gigantesco quadro ganhou um prêmio na Exposição Nacional de Belas Artes de 1862, foi imediatamente comprado pelo Museu do Prado, serviu de modelo para todas as recriações que se seguiram e foi até parar em pôsteres vendidos em bancas.
Assim como seu primo brasileiro, é uma obra que revela o clima intelectual e os vícios de sua época. É um quadro de celebração colonial, onde Colombo é um herói e os índios, pano de fundo. Foi lançado em 1862, significativamente no reinado da conservadora Isabel II — a primeira Isabel foi aquela que patrocinou a viagem de Colombo. Então se comemoravam 370 anos da descoberta.
A rainha acabaria deposta numa revolução em 1868. Tolín continuaria com temas históricos, refinando seu estilo, e ganharia a Medalha da Real Ordem de Isabel, a Católica – que homenageia a protetora de Colombo.
Hoje sabemos, não foi a primeira vez que europeus chegaram à América. Os vikings precederam Colombo em quase 500 anos. Também anda fora de moda comemorar muito efusivamente a descoberta, um evento que levaria à destruição de milhões de vidas indígenas.
Veja algumas curiosidades sobre a obra.
Como várias outras descrições do século 19, os índios não são protagonistas de nada, simplesmente observam a chegada dos visitantes. Uma atitude compartilhada por Colombo, que os chamou de “covardes e tímidos” na carta em que anunciou sua descoberta à rainha. Na vida real, os nativos acabariam exterminando a pequena colônia de 39 marinheiros que o navegador deixou em terra.
Não há qualquer registro de um padre na primeira viagem de Colombo. Religiosos simplesmente assumiram que não haveria como uma viagem assim acontecer sem capelão, e a questão continua a ser um mistério. O fato é que não foi exatamente fácil achar candidatos ao que parecia ser uma empreitada suicida. Historiadores acreditam que não havia padre nenhum.
A missão teve poucos recursos. Os três navios da expedição, as caravelas Pinta e Nina e a nau Santa Maria, eram de dimensões bem modestas — a maior, Santa Maria, tinha por volta de 18 metros de comprimento. Elas foram feitas para o Mar Mediterrâneo e adaptadas para o oceano aberto. Com o início do comércio com a Ásia, no século seguinte, naus até 20 vezes maiores seriam construídas.
Ao chegar à Espanha, Colombo declarou que havia tomado posse de todos os territórios que havia visitado em nome da rainha, sem resistência. O que é realmente pretensioso, porque ele acreditava — ou ao menos disse isso até o fim da vida — que havia visitado o Japão e a China. Ele chegou a tentar perguntar aos índios por seu “imperador”.
O Colombo de Tolín é um pouquinho velho demais para a realidade: ele só tinha 41 anos na época. Mas o fato é que ele podia ter qualquer cara: nenhuma imagem do navegador foi produzida em vida. O famoso retrato que adorna livros didáticos foi criado em 1519, 13 anos após sua morte, pelo italiano Sebastiano del Piombo. E nem assim se tem certeza se ele desenhou Colombo mesmo. O quadro se chama 'Retrato de um Homem'.
Toda a composição do quadro não deixa dúvidas de como foi produzido: com modelos posando num estúdio, de forma altamente artificial. Parece uma peça de teatro. Essa artificialidade era uma das características das pinturas acadêmicas que seriam duramente criticadas pelos modernistas, fazendo com que o estilo caísse em descrédito no século 20.