Conhecida por suas peças inspiradas na cultura brasileira, a estilista tinha um olhar revolucionário e uma vida marcada por suas lutas
Quando era pequena, a mineira Zuleika de Souza Netto já olhava para as peças de roupas da mãe com uma curiosidade inusitada. Para a menina, as cores, as costuras, estampas e formas combinavam de maneira automática, era quase um dom.
Já crescida, a eterna Zuzu Angel aprendeu a usar elementos da rica cultura brasileira para criar as peças de sua própria grife. Mais do que uma estilista, todavia, a mulher era uma artista singular, que protestava através de coleções e passarelas.
Do cangaço até as frutas nacionais, tudo servia de inspiração para Zuzu, que usava rendas, bordados e estampas para compor suas criações. Por trás dos vestidos, no entanto, existia uma estilista revolucionária, que comunicava seus ideais na costura e fazia das suas coleções uma forma de protesto contra aquilo que não concordava.
Conheça cinco fatos curiosos sobre a grande Zuzu Angel:
Nascida em 5 de junho de 1921, há pouco mais de 100 anos, Zuzu Angel era herdeira de uma família humilde que morava em Curvelo, Minas Gerais. Quando ainda era criança, contudo, a menina mudou-se para Belo Horizonte com os pais, onde aprendeu a costurar para ajudar nas despesas de casa. Foi amor à primeira vista.
Em seu tempo livre, Zuzu se divertia com retalhos das costuras da mãe e criava seus próprios modelos. Eventualmente, a menina deixou de modelar peças para suas bonecas e passou a costurar para familiares, como suas primas. Já na adolescência, a garota mudou-se para a Bahia, onde suas criações ganharam outra perspectiva.
Em 1940, Zuzu conheceu o norte-americano que viria a ser seu marido, Norman Angel Jones, com quem teve três filhos, Stuart, Hildegard e Ana Cristina. Foi desse amor, inclusive, que ela retirou seu nome artístico, adotando o sobrenome do companheiro como um apelido não apenas para si, como também para sua marca.
Tendo morado em Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, a família levou diversos golpes através dos anos, começando em 1960. Naquele ano, após diversos problemas conjugais, Zuzu e Norman decidiram se divorciar. O pesadelo, contudo, viria a seguir.
Em maio de 1971, a estilista descobriu que seu primogênito, Stuart, havia desaparecido durante a Ditadura Militar. Na época, o estudante de economia fazia parte do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Dali em diante, Zuzu decidiu procurar por seu filho e, de forma incansável, ela fez desse o seu principal objetivo.
Acostumada com linhas e agulhas, Zuzu cresceu desenvolvendo suas próprias criações, mas foi apenas no final dos anos 1950 que a aspirante a estilista começou a costurar profissionalmente. Em 1970, ela abriu sua primeira loja de peças autorais, em Ipanema.
Utilizando seda, rendas, fitas e chitas em suas criações, a estilista passou a implementar elementos da cultura brasileira na própria marca. Eventualmente, as estampas e cores vivas usadas por Zuzu explodiram nos Estados Unidos, fazendo com que a estilista mineira ilustrasse editoriais, com peças em vitrines e guarda-roupas de famosos.
No mesmo ano em que seu filho desapareceu, Zuzu Angel tomou para si a resistência de Stuart e protestou através de um desfile realizado no consulado brasileiro em Nova Iorque. Para denunciar a então política brasileira, a estilista passou a representar pássaros presos em gaiolas, canhões, tanques de guerra e jovens aprisionados.
Enquanto buscava informações do paradeiro do filho, a mineira continuava criando peças cujas estampas gritavam por liberdade e protestavam contra o regime militar. Ela não sabia, no entanto, que Stuart não teria sobrevivido à tortura, segundo narrou o ex-preso político Alex Polari, que atestou a morte do estudante depois de solto.
Aos 54 anos de idade, Zuzu Angel sofreu um acidente fatal enquanto dirigia na Estrada da Gávea. Ela passava pelo túnel Dois Irmãos quando sentiu seu carro derrapar e sair da pista, capotando após se chocar contra uma mureta. A estilista morreu na hora.
Sem ao menos descobrir a verdade sobre o desaparecimento de seu primogênito, Zuzu tornou-se mais uma das artistas cujo nome ficou marcado na memória nacional. O túnel onde ela morreu recebeu seu nome e, em 1993, Hildegard Angel, que é jornalista, criou o Instituto Zuzu Angel de Moda do Rio de Janeiro, em homenagem a própria mãe.